Desigualdades

Editada por Maria Brant, jornalista, mestre em direitos humanos pela LSE e doutora em relações internacionais pela USP, e por Renata Boulos, coordenadora-executiva da rede ABCD (Ação Brasileira de Combate às Desigualdades), a coluna examina as várias desigualdades que afetam o Brasil e as políticas que as fazem persistir

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Julho das Pretas: Para mais justiça e equidade, é preciso mais representatividade

Propostas para garantia de direitos sociais dos mais vulneráveis, tais como a PEC das Domésticas, são frutos da atuação política de mulheres negras

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Giselle dos Anjos Santos

Doutoranda em História Social (USP) e mestra em Estudos de Gênero e Teoria Feminista (UFBA), é pesquisadora do CEERT e especialista em interseccionalidades

Mario Rogério Silva

Mestre em Ciências Sociais (PUC-SP), é diretor responsável pelo programa Censos de Diversidade realizados pelo CEERT junto a organizações públicas, privadas e da sociedade civil

O mês de julho é um período muito importante para tornar mais visível a luta histórica das mulheres negras, já que, no dia 25, são celebrados o Dia Internacional da Mulher Afro Latina e Caribenha e o Dia Nacional de Tereza de Benguela no Brasil. Por conta disso, foi criado o Julho das Pretas, um calendário de ações coletivas com o objetivo de dar evidência ao protagonismo e à incidência política das organizações de mulheres negras.

Esta 10ª edição do Julho das Pretas no Brasil tem como mote o lema: "Mulheres Negras no Poder, Construindo o Bem Viver!". E, considerando que estamos em um ano eleitoral e extremamente estratégico, propomos aqui a discussão sobre dois setores: o trabalho doméstico e a política institucional.

É sabido que a concentração de mulheres negras no trabalho doméstico é um fenômeno histórico diretamente ligado à herança escravista, fruto do caráter estrutural da intersecção entre as opressões de gênero, classe e raça no Brasil.

A deputada Benedita da Silva (PT-RJ) fala no Congresso
A deputada Benedita da Silva (PT-RJ) foi a relatora da PEC das Domésticas, que foi aprovada na Câmara em 2013 - Pablo Valadares - 10.mar.20/Câmara dos Deputados

Esse setor, já precarizado anteriormente, foi um dos mais afetados no contexto da pandemia. De acordo com pesquisa do CEERT (Cento de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades) desenvolvida com base nos dados da PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) referente ao primeiro trimestre de 2022, o Brasil tem um total estimado de 5,608 milhões pessoas ocupadas em serviços domésticos (correspondendo a 5,9% do total de ocupadas do país). As mulheres negras representam a maioria delas (60,8%), seguidas das mulheres brancas (30,8%). Juntas, as mulheres representam 91,6% do total.

Do conjunto de trabalhadoras/es do setor, apenas 25% possuem carteira assinada —ou seja, 75% se encontram na informalidade. E quando olhamos mais detalhadamente para essa parcela em condição de precariedade laboral, percebemos uma participação ainda mais elevada de mulheres negras: 76,9% delas não possuem carteira assinada.

Tampouco podemos esquecer dos numerosos casos de mulheres negras resgatadas recentemente de condições de trabalho doméstico análogo à escravidão, tais como o da idosa de 62 anos resgatada na semana retrasada em Era Nova (MG), após passar 32 anos nesta situação degradante. Esse tipo de crime precisa de punição.

Destaca-se, nesse cenário, o fenômeno de envelhecimento da categoria das trabalhadoras domésticas. Atualmente, a faixa etária predominante é de pessoas entre 40 e 59 anos. Isso se deve ao fato de que as jovens negras têm tido mais oportunidades para estudar e, consequentemente, para se inserir em outros setores do mercado de trabalho, tornando evidente o quão essencial é o investimento em políticas públicas e leis voltadas para a promoção de direitos sociais dos grupos mais vulneráveis.

É por este motivo que precisamos mudar a cara da política institucional do nosso país. Afinal, enquanto as mulheres negras representam o maior grupo demográfico do país —28,4% segundo a PNAD Contínua do primeiro trimestre de 2022— e são a maioria nos postos mais precarizados (como o trabalho doméstico), representam a minoria nos espaços de decisão política, ocupando apenas 2,36% das cadeiras do Congresso Nacional.

Tais sobrerepresentações e subrepresentações têm consequências concretas, tais como a total desconexão entre a realidade vivida pela maioria do povo brasileiro e os interesses representados pelo sistema político atual. A eleição de mais mulheres negras para os parlamentos tem o potencial de transformar a política por meio da priorização de pautas efetivamente implicadas com a justiça social e a equidade, beneficiando todas as pessoas, mas, especialmente, as mais vulneráveis. Como disse Angela Davis, "quando a mulher negra se movimenta, toda a estrutura da sociedade se movimenta com ela".

A PEC das Domésticas (Proposta de Emenda Constitucional n.º 66, transformada na Lei Complementar nº 150/2015) é um exemplo concreto de como as mulheres negras podem impactar positivamente a política, já que foi a partir da relatoria da deputada Benedita da Silva (PT-RJ) que, mesmo frente a muitas polêmicas e tensões, a proposta foi aprovada na Câmara em 2013.

Ou seja, além da luta histórica das próprias trabalhadoras domésticas, foi fundamental a contribuição de uma parlamentar negra comprometida com a promoção da equidade para o acesso deste grupo a direitos básicos, efetivados depois de setenta anos do surgimento da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) instituída em 1943.

Benedita comemorou a promulgação do texto com a seguinte afirmação: "Estamos arrebentando as correntes desde a casa grande e senzala, desde a Lei Áurea, onde essas trabalhadoras e esses trabalhadores passam a ser reconhecidos, com os direitos iguais aos demais trabalhadores".

A atuação de nossas Beneditas, Antonietas e Marielles nos ensinam que, com racismo e machismo, não há democracia. Por isso, neste ano eleitoral, convidamos toda a sociedade brasileira para fortalecer a democracia, de modo concreto, assumindo o compromisso para termos mais "Mulheres Negras no Poder, Construindo o Bem Viver!".

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