Djamila Ribeiro

Mestre em filosofia política pela Unifesp e coordenadora da coleção de livros Feminismos Plurais.

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Djamila Ribeiro

Para ter autorrespeito é preciso dizer muito mais não do que sim

Na base da pirâmide social sabemos que, muitas vezes, é necessário, infelizmente, fazer concessões diárias ao destino

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"Djamila, você não vai escrever sobre isso?" "Você viu esse texto racista? Racismo reverso, em 2022? Mas você escreve na Folha e não vai falar nada?"

Vi e não vou, tenho livros sobre. Racismo, ensina Toni Morrison, também é sobre distração. Racistas precisam nos provocar para não percorrermos o caminho. Mas estou no meu caminho e não posso voltar sempre que um ressentido babar na página ao lado. Primeiro, porque não quero, sou um ser humano. Segundo, porque não farei outra coisa da minha vida. Terceiro, porque lutamos por avanços e temos muito a conquistar.

Sugiro que façam o mesmo, não temos tempo a perder. São meus segundos de prosa sobre o assunto: junto a muitos, sigo em frente e, parafraseando Patricia Hill Collins, "let them cry".

pês com sandálias
Publicada nesta quinta, 20 de janeiro de 2022 - Linoca Souza

Como diz o samba de Jorge Aragão, "saber se respeitar, se unir para se encontrar". Autorrespeito é o tema que gostaria de tratar nos próximos textos.

É um tema de que gosto muito de ouvir sobre, de internalizar nas minhas práticas, pois é uma chave para o crescimento pessoal, ao mesmo tempo que é uma conquista difícil. Para mim, a jornada em busca de autorrespeito começou com um "basta". Dediquei muito tempo dizendo sim, ajudando qualquer quem me pedisse, parando de fazer o que estava fazendo.

Muitas vezes, por acreditar que era o certo a se fazer, de querer ser legal e outras ilusões. Mas outras vezes por internalizar a lógica colonial que espera isso de mulheres negras.

Nascemos numa sociedade que impõe destinos, querem-nos de cabeça baixa, dizendo "sim, senhor". Dizer sim para tudo é uma chave para o autodesrespeito, mas muitas, presas no sistema, ficamos com um leque reduzido de opções que não seja cumprir os destinos impostos.

Já sabemos que, se tivermos a audácia de fazermos algo que desestabilize o esperado, o tronco está nos esperando para nos infligir as 50 chibatadas diárias sem que reclamemos de dor, muito menos revidemos.
No meu caso, apesar do lugar imposto, pude desafiar expectativas estereotipadas sobre mim, o que trouxe momentos duros de transcendência, mas que foi parte decisiva da caminhada por autorrespeito.

Na sabedoria ancestral, um ditado diz que, de tanta bondade, o abutre ficou de cabeça pelada. Então sigo num processo de ser fiel a mim, de impor limites a pessoas que querem invadir meu espaço, de denunciar a naturalidade com que desrespeitos a mim são feitos.

De não olhar na cara de quem segurou um chicote. De dizer mais não do que sim, e de só dizer sim àquilo que, de fato, importa. É um processo que busco cada vez mais, um caminho que não preciso terminar, mas que só por traçá-lo vale a viagem.

Sendo a base da pirâmide social, ou seja, que sustenta a pesada estrutura sobre os ombros, sabemos que, muitas vezes, é necessário, inevitável, infelizmente, fazer concessões diárias ao destino imposto.

Milhões de mulheres negras seguem no trabalho doméstico, herança presente da escravidão. No serviço, lidam com diversos desrespeitos, desde cuecas e calcinhas sujas, até palavras e pensamentos sujos. Minha mãe contava sobre quando, ainda muito jovem, teve de se defender ameaçando o patrão com uma frigideira cheia de óleo quente. Ele queria investir sobre ela.

Minha mãe até hoje é um exemplo de autorrespeito para mim. Tanto sobre como alcançá-lo, quanto sobre como sua busca é desafiadora. Mesmo enredada em um sistema que busca a todo momento nos desumanizar, ela mantinha uma dignidade no andar, no olhar, nas palavras.

Mas sim, minha mãe tomou decisões infelizes de fazer o bem sem olhar a quem e acabou presa fácil de gente aproveitadora. Quando falamos das vezes em que faltou autorrespeito, não podemos nos esquivar da autorresponsabilidade.

Numa vida tão difícil, minha mãe seguia determinada sobre seus passos e sua vida, mas deixou que dela vantagem fosse tirada, mesmo sabendo, no fundo, que as relações não tinham reciprocidade. Ao falar dela, falo de mim também, e em nosso nome sigo a limpeza de nossa linhagem buscando sempre relações que tenham reciprocidade.

Na sabedoria do candomblé, a troca é o domínio de Exu, o primeiro orixá a ser saudado e reverenciado. A reciprocidade é a sua língua. Brincalhão, não tem o menor problema em tomar de quem recebeu e não entregou, como de rir de quem entregou sabendo que não iria receber. Quando eu "quebro a minha cara", numa troca malsucedida, penso em Exu me dizendo: "Eu avisei, minha filha, mas você não quis me ouvir, agora eu vou é rir de você!". O que posso fazer, senão rir junto com ele e ficar mais esperta?

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