Djamila Ribeiro

Mestre em filosofia política pela Unifesp e coordenadora da coleção de livros Feminismos Plurais.

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Copa do Mundo de futebol feminino pode ser ponto de virada para o esporte

Edição promete ser a maior da história e pode combater invisibilidade da modalidade em países que não promovem a prática

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Começou a Copa do Mundo de futebol feminino! Nos últimos meses estive com diversas atletas, jornalistas, pesquisadoras e representantes dos governos da Austrália e da Nova Zelândia, países que sediam o evento, que estão muito animadas.

Esta edição promete ser a maior da história, mas, mais que isso, um ponto de virada na invisibilidade da modalidade em países que não promovem a prática como deveriam, sendo o Brasil um exemplo lamentável.

Que a delegação brasileira faça um ótimo torneio e que essas expectativas reflitam, de fato, no estímulo e organização da prática no país.

Mas, como acreditamos na memória, é necessário pontuar como a organização brasileira para esta edição é fruto da resistência das mulheres que, ao longo da história, foram proibidas de jogar futebol e, mesmo quando a prática foi legalizada, foram desestimuladas de diversas formas possíveis.

Em 1940, 65 mil pessoas lotaram o Pacaembu para assistir à primeira partida de futebol feminino no Brasil, o duelo entre S. C. Brasileiro e Realengo que terminou em dois a zero, com gols de Zizinha e Sarah.

No artigo "Mulheres e futebol no Brasil: Descontinuidades, Resistências e Resiliências", Silvana Goellner, do Departamento de Educação Física da UFRGS, afirma que o protagonismo das jogadoras que se apropriaram do espaço-domínio dos homens ameaçava representações de gênero.

A ilustração tem fundo verde e seis jogadoras de futebol treinando com a bola de futebol. Elas usam o uniforme da seleção brasileira feminina, camisa amarela, bermuda azul meião branco e chuteiras.
Ilustração de Aline Bispo para coluna de Djamila Ribeiro de 20 de julho de 2023 - Aline Bispo

Na repercussão em torno daquela partida, Goellner destaca que ficou conhecida a carta publicada nos jornais escrita por um homem chamado José Fuzeira, que se dirigiu diretamente ao presidente Getúlio Vargas, fazendo um apelo para a proibição do esporte para as moças, pois o "movimento entusiasta que está empolgando centenas de moças" era uma calamidade que afetava "o equilíbrio psicológico das funções orgânicas, devido à natureza que a dispôs a ‘ser mãe’".

Em resposta a Fuzeira, Margarida Pereira, zagueira, capitã e presidente do S. C. Brasileiro, visitou o Jornal dos Sports, que publicou uma reportagem. Margarida afirmou: "Perguntei a mim mesma: quem será esse senhor José Fuzeira? Verifiquei que esse cavalheiro é um desconhecido no esporte".

E prosseguiu: "O senhor José Fuzeira deveria assistir à prática de futebol feminino, para verificar quão salutar é esse esporte e os benefícios que o mesmo presta a suas praticantes".

Margarida era mais conhecida por seu apelido "Adyragram", o inverso de seu nome. Sua coragem, ao contestar o ranço patriarcal em plena ditadura do Estado Novo, é um dos tantos episódios de resistência das mulheres contra o boicote imposto pelos homens.

Apesar da resistência das jogadoras, Fuzeira foi ouvido. Um ano depois, o governo Vargas editou o decreto que proibia a prática do futebol feminino e outros esportes. O decreto perdurou por quatro décadas, prejudicando de modo drástico o esporte como um todo.

Em 1982, o primeiro Festival Nacional de Mulheres nas Artes contou com representantes de três continentes e foi realizado em mais de 40 locais diferentes. Entre as pautas reivindicatórias do festival estava a legalização do futebol feminino. Na programação, houve a inclusão de uma partida de futebol entre seleções de mulheres de São Paulo e Rio de Janeiro.

O jogo foi marcado como uma preliminar do clássico entre São Paulo e Corinthians e, diante da pressão para que fosse cancelado, o doutor Sócrates afirmou que, se as mulheres não entrassem em campo, os jogadores também não entrariam. Um ano depois, o Conselho Nacional de Desportos autorizou a prática do futebol feminino.

Há Fuzeiras e Sócrates até hoje no Brasil. Homens que não se conformam com o crescimento do esporte e buscam desestimulá-lo a todo custo e outros que se aliam na luta pelo direito das mulheres ao esporte, que, por sua vez, é a luta de toda a sociedade.

E há inúmeras Adyragrams. Mulheres que rompem com o pacto masculino e invadem os espaços dominados pelo patriarcado para viver o esporte, a torcida e toda sua organização.

As "Adyragrams" Silvana Goellner, Aira Bonfim, historiadora do esporte mestre pela FGV-RJ, a jornalista e ativista Lu Castro e a ex-jogadora de futebol feminino e comentarista Juliana Cabral assinam a mostra "Rainha de Copas", em exposição no Museu do Futebol, localizado à esquerda da entrada principal do estádio do Pacaembu.

Eu visitei no último mês e super-recomendo. A mostra vai até o dia 27 de agosto e conta essas e outras histórias de resistência das mulheres, que, agora, se juntam para torcer e para vibrar pela seleção feminina canarinha.

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