Djamila Ribeiro

Mestre em filosofia política pela Unifesp e coordenadora da coleção de livros Feminismos Plurais.

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Quem causou a infâmia que matou Jéssica Canedo deve responder pelos seus atos

A jovem, de 22 anos, foi envolvida por uma mentira difundida pela página de fofoca Choquei e outras similares na internet

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No apagar das luzes de 2023, uma tragédia causa revolta. A jovem Jéssica Vitoria Dias Canedo, de 22 anos, foi envolvida por uma mentira difundida pela página de fofoca Choquei e outras similares. A mentira consistia em uma inventada troca de mensagens entre a jovem e o comediante Whindersson Nunes, ao passo que o título destacava que ela seria seu novo "affair".

Uma avalanche caiu sobre a vida de Jéssica. Milhões de pessoas seguem essas páginas, e a jovem sofreu com comentários sobre sua aparência, sua origem social e o inexistente relacionamento.

A ilustração traz uma figura feminina folheando um jornal com notícias e nele há uma grande interrogação em cima.
Ilustração de Aline Bispo para coluna de Djamila Ribeiro de 29 de dezembro de 2023 - Folhapress

Numa tentativa angustiante em barrar essa manada, apelos da jovem e de sua mãe para interromper a difamação foram recebidos com ironia pelo dono da Choquei e milhares de seus apoiadores. Ao final, Jéssica, que vinha de uma longa batalha contra a depressão, tirou sua própria vida.

Quero prestar minha mais profunda solidariedade à família da jovem e a sua mãe Inês Oliveira, que se viu impotente para intervir contra o absurdo que estavam fazendo contra sua filha, que nem sequer tinha conta em rede social antes da mentira.

Somo minhas preces às de sua família para que Jéssica faça a passagem com luz e doçura que não encontrou no fim da vida. Que os responsáveis por essa infâmia que contribuiu para sua morte respondam, e o sistema que funcionou para que isso acontecesse seja desmontado.

Sobre o fato, li dois artigos de opinião nesta Folha.

O primeiro foi de Tony Goes. O texto tem o mérito de problematizar a nota da Choquei, que negou responsabilidade sobre o ocorrido, uma vez que teria cumprido "atividades habituais decorrentes do direito de informação". Goes questiona: Que "atividades habituais" são essas, uma vez que a página não faz checagem de dados ou contraditório?

O colunista afirma no texto que a Choquei não faz jornalismo, embora fosse ideal que fizesse a exemplo de veículo de comunicação fundado por jornalistas, sendo essa uma diferença crucial, na sua opinião. O colunista diferencia veículos entendidos como sérios da Choquei, "que só está interessado em gerar cliques para atrair publicidade, e que se dane todo o resto".

Contudo, o fato de jornalistas de formação desenvolverem um veículo de comunicação não é garantia de que haverá uma qualidade maior no trato da informação.

Poderia citar o caso da Escola Base como exemplo, mas a verdade é que nos últimos anos foram naturalizados sites que veiculam somente o título, acompanhado de um parágrafo, no máximo dois, para informar algo da política, sem apresentar contexto ou ouvir citados.

Neles, trabalham jornalistas, alguns deles renomados, e apesar do sucesso de audiência nos últimos anos, não se diferem do método de notícia da Choquei, a não ser pelo tema abordado.

Além de não cairmos na tentação de "essencializar" pessoas e profissões (há bons e maus profissionais em qualquer área), um ponto relevante é entender que páginas de entretenimento, independentemente de serem constituídas ou não por jornalistas de formação, devem se adequar a regras básicas do jornalismo, como ouvir o outro lado, checar fontes, manifestar inequivocamente qual conteúdo é patrocinado, separar o comercial da redação, entre outros pontos.

Independente da origem de seus integrantes ou se não estão atuando de forma profissional na atualidade, como também independente de se gosta ou não de cobertura de fofoca, devem essas empresas ser consideradas como atividades de comunicação, inclusive para que sejam exigidos padrões de qualidade na relação com o público leitor.

Li também o texto de Rosana Hermann sobre a tragédia, no qual levantou pontos muito interessantes. De onde surgiu essa fake news? Quem foi responsável pela mensagem e por qual razão isso foi feito? São perguntas cuja resposta cabe à polícia e ao Ministério Público.

Outra questão levantada no texto foi a responsabilidade dos usuários da rede. Um comentário do dono da Choquei que ironizou o desabafo de Jéssica tinha 6.000 curtidas.

A rede social é algo sério e as pessoas devem se conscientizar sobre o que acompanham, pois, além de uma questão sobre conduta ética, há interesses econômicos que orientam a atuação dessas páginas e dependem do público consumidor para apresentar resultados.

É um dado da realidade a relação desses portais com milhões de pessoas. Na próxima coluna, seguirei nesse argumento para que as empresas que reúnem páginas de fofoca e promovem notícias de modo coordenado sejam entendidas como grupo de comunicação e não como "marketing de influência", chave para regulamentar e apresentar soluções concretas a esse estado de coisas intolerável. Solidariedade a Jéssica Canedo.

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