Eduardo Sacheri

Escritor argentino apaixonado por futebol e autor do livro 'O Segredo de Seus Olhos'

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Eduardo Sacheri
Descrição de chapéu Copa do Mundo

Nós, os argentinos, somos lutadores machucados que reagem no último round

Seleção argentina chega à Copa em condições precárias, mas o mesmo aconteceu em 86

Buenos Aires

Custa lembrar de uma Copa para a qual a Argentina tenha chegado em condições tão precárias, com expectativas tão baixas e mergulhada em confusão, dúvidas e desânimo.

A Argentina soube como gerar sobre a própria cabeça uma “tempestade perfeita” nos últimos anos. Uma liderança confusa e errática, após o interminável e obscuro reinado de Julio Grondona na federação argentina de futebol.

Quatro técnicos em quatro anos, que tiveram que sufocar um incêndio carregando apenas um balde de água miserável. Uma eliminatória torturante na qual a Argentina se classificou com o coração saindo do peito. E uma equipe de jogadores empacados no calvário das finais de 2014, 2015 e 2016. Em outros países, jogar três finais de Copa seria um triplo mérito. Na Argentina, é considerado um fracasso patético.

Como as coisas sempre podem piorar, adicionemos à confusão geral o fato de a federação assinar contrato para jogar amistoso com Israel, em Jerusalém. Com isso arruma uma crise diplomática, insiste que o jogo acontecerá sim ou sim porque já ganhou boa parte do dinheiro, mas anula o jogo 48 horas antes afirmando —isso sim— que é uma “contribuição para a paz mundial”.

Há algo no outro prato para estabilizar a balança? Existe alguma razão que sustente a esperança dos argentinos? Embora a resposta lógica seja não, acho que a resposta correta é sim. Não se trata de lógica, mas é uma verdade.

Os argentinos não confiam muito uns nos outros. Nosso individualismo, nossa tendência ao caos, nossa falta de compromisso recíproco nos desencoraja a confiar na ordem, no respeito às normas, na construção lenta e paciente dos acontecimentos.

Nós amamos —mesmo se dissermos o contrário— improvisação, audácia, imprudência. Então construímos um pensamento mágico e ridículo: quando fomos disputar uma Copa do Mundo como candidatos, em 2002, voltamos na primeira rodada. Quando estávamos sem a menor esperança, derrotados pelas críticas, jogamos futebol muito bem e saímos campeões, em 1986.

Assim somos nós. Não nos enxergamos como grupo que trabalha junto para construir um projeto a longo prazo. Sentimo-nos muito mais à vontade na imagem de um lutador de boxe machucado, submetido a uma surra feroz em um canto do ringue, que, por puro milagre, dá um soco salvador, no último minuto do último round. Um golpe selvagem e de sorte que nos levará, sem parar, do inferno à glória.

Tradução de Azahara Martin Ortega

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