Elio Gaspari

Jornalista, autor de cinco volumes sobre a história do regime militar, entre eles "A Ditadura Encurralada".

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Só havia mentiras em nota da Presidência sobre internação de Bolsonaro

Apenas médicos deveriam falar com autoridade a respeito do estado de saúde do presidente

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Às 8h57 de quarta-feira, a Secretaria de Comunicação da Presidência da República informou o seguinte: “O presidente da República, Jair Bolsonaro, por orientação de sua equipe médica, deu entrada no Hospital das Forças Armadas (HFA), em Brasília, nesta quarta-feira (14) para a realização de exames para investigar a causa dos soluços.

Por orientação médica, o presidente ficará sob observação, no período de 24 a 48 horas, não necessariamente no hospital. Ele está animado e passa bem.” Salvo a data e a identidade do paciente, era tudo mentira.

Em seguida, o chefe da Casa Civil, general da reserva Luiz Eduardo Ramos, informou: “Teve fortes dores às 4h, mas nada de grave até o momento. Então, graças a Deus, ele está muito bem. Repousando, que é o que ele precisa.” Salvo as dores da madrugada, tudo mentira.

O presidente Jair Bolsonaro caminhando no corredor do hospital Vila Nova Star na manhã dessa sexta-feira (16)
O presidente Jair Bolsonaro caminha no corredor do hospital Vila Nova Star, em São Paulo, na manhã da última sexta-feira (16) - jairmessiasbolsonaro no Instagram

Horas depois, Bolsonaro chegava ao hospital Vila Nova Star, em São Paulo, onde montou um pequeno circo.

Feiticeiros de palácio às vezes são bem-sucedidos e às vezes prejudicam a saúde dos pacientes cujo poder pretendem preservar. Assim se deu com a “apendicite” de Tancredo Neves em 1985 e com a “gripe” do marechal Costa e Silva em 1969.

É verdade que às vezes conseguem esconder os padecimentos dos chefes. Em 1959, esconderam o infarto de Juscelino Kubitschek. João Goulart teve pelo menos três ataques cardíacos entre 1961 e 1964. Jamais se falou do leve acidente vascular cerebral transitório de José Sarney.

Dois presidentes brasileiros, Costa e Silva e João Figueiredo, assumiram o cargo com médicos cantando a pedra de suas doenças circulatórias. Deu no que deu. Um foi incapacitado por um derrame, e o outro perdeu o rumo com um infarto em 1981. Lula e Dilma Rousseff deram exemplos de transparência médica.

O Bolsonaro que, segundo a Secom passava bem e estava animado na quarta-feira, esteve internado no Hospital das Forças Armadas quatro dias antes. Felizmente, a realidade paralela dos feiticeiros foi retificada pelo seu filho, o senador Flávio Bolsonaro. Ele revelou também que, ainda em Brasília, o pai foi para uma Unidade de Terapia Intensiva, onde intubaram-no “para evitar que ele aspirasse o líquido que estava vindo do seu estômago”. (Tratava-se da sonda gástrica.)

Se Bolsonaro tivesse ido a uma unidade do Samu no terceiro dia de sua crise de soluços, com muita probabilidade teria recebido a prescrição de vários exames. Paciente voluntarioso, como Tancredo, Bolsonaro não faz o que mandam os médicos. Às vezes, o paciente disciplinado acaba iludido pelos feiticeiros. Em 1969, passadas 27 horas do primeiro aviso de uma complicação neurológica e depois de perder a fala pela terceira vez, o presidente Costa e Silva perguntou ao capitão médico do serviço de saúde do Planalto:

—Não será derrame o que estou sentindo?

—Não senhor. Derrame não é. Vamos apurar tudo direitinho.

Era uma isquemia cerebral.

O presidente Jair Bolsonaro ao lado de paciente do Hospital Vila Nova Star, em São Paulo, em foto postada por Michelle Bolsonaro em rede social
O presidente Jair Bolsonaro ao lado de paciente do Hospital Vila Nova Star, em São Paulo, em foto postada por Michelle Bolsonaro em rede social - Michelle Bolsonaro no Instagram

A insônia de Bolsonaro faz parte das mazelas da política nacional. Em 2019, ele contou: “Fiz exames para verificar as condições do sono. E descobri 89 episódios de apneia por hora [número de interrupções respiratórias no período]. Detenho o recorde brasileiro de apneia”. Não é um recorde que devesse se vangloriar. Getúlio Vargas tinha a sua apneia, mas cuidava-se, no limite da hipocondria.

Só os médicos podem decidir e devem falar com autoridade a respeito do estado de saúde do presidente. Se não fosse a intervenção de Flávio Bolsonaro, essa internação teria começado com feitiçarias.

Médico de palácio

É dura a vida de médico de palácio. Em janeiro de 1993, Bill Clinton tomou posse e foi para a Casa Branca cercado de amigos, entre eles, um médico de seu estado. A certa altura ele procurou o doutor que cuidava da saúde de George Bush 1º, que voltava para casa, e pediu-lhe que aplicasse no novo presidente uma injeção de anti-histamínico. Tinha consigo o frasco, era só espetar.

O médico de Bush 1º se recusou. Dias depois foi dispensado. Ele explicou: “Eu não queria acabar minha carreira dando uma injeção para a alergia do presidente e vê-lo cair morto”. Afinal, o conteúdo do frasco deveria ter sido examinado pelo FBI.

Ele ensinaria: “O maior problema para os médicos de VIPs é dar jeitinhos para deixar seus pacientes felizes”.

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