Elio Gaspari

Jornalista, autor de cinco volumes sobre a história do regime militar, entre eles "A Ditadura Encurralada".

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Moro subirá ao patíbulo com cinzas da Lava Jato nos arquivos do Judiciário

Como frade, o juiz está a caminho da forca

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Girolamo Savonarola (1452-1498) foi um frade florentino que saltou da obscuridade para a fama em poucos anos. Começou a pregar contra a corrupção da Igreja e de Florença em 1490, quando Leonardo da Vinci conheceu seu namorado. Em 1495, quando um escultor de segunda quebrou o nariz de Michelangelo, o frade radicalizou seu discurso, ameaçando a autoridade do papa Alexandre 6° (Rodrigo Borgia, feito cardeal aos 25 anos, foi pai de pelo menos quatro filhos).

Dois anos depois, Savonarola era dono da cidade de Maquiavel e Sandro Botticelli. Pregando contra o luxo, queimou baralhos, poesias, esculturas e quadros numa grande "fogueira das vaidades".

Eram muitos seus inimigos. Savonarola foi excomungado em 1497 e desafiado em março de 1498. Preso e torturado, confessou-se doido. Foi enforcado e queimado na linda praça de Florença. Dele, restam sermões, alguns retratos e sua cela no convento. Uma pequena placa no chão marca o lugar de sua execução. Do outro lado do mundo, o português Vasco da Gama conhecia a banana.

Sergio Moro em sessão da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania - Roque de Sá - 7.nov.23/Agência Senado

Só em 1517, longe da Itália, outro frade, o alemão Martinho Lutero, deu início a uma reviravolta nas relações com o Papado, abrindo o cisma do protestantismo. De Savonarola resta pouca coisa. Espremendo, quase nada. Por tê-lo ouvido, Sandro Botticelli queimou alguns de seus quadros e nunca mais pintou direito.

Pindorama do século 21 nada tem a ver com a Florença do 16. Faltam-lhe Leonardo, Maquiavel e Michelangelo. Sergio Moro, contudo, fez um percurso semelhante ao de Savonarola. Em poucos anos foi da obscuridade de uma vara de Curitiba para a fama da Operação Lava Jato. Como ele, tornou-se dono da cidade encarnando o combate a uma corrupção escrachada, provada e confessada.

Moro fez muitos inimigos. O tempo passou, e o juiz de Curitiba, excomungado pelo Supremo Tribunal Federal, elegeu-se senador e está a caminho da perda do mandato na praça do Tribunal Regional Eleitoral do Paraná. Esteve perto do julgamento, mas a montagem do patíbulo foi adiada, enquanto suas prédicas são esfareladas. Sua Lava Jato vem sendo meticulosamente desmontada e agora entrou na fase das indulgências pecuniárias.

O ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal, abriu a temporada suspendendo a multa de R$ 10,3 bilhões dos irmãos Batista, da J&F. Na semana passada, suspendeu o acordo e a multa da Novonor (ex-Odebrecht).

Com duas canetadas, empresas receberam a expectativa de um alívio de algo em torno de R$ 15 bilhões, ervanário equivalente ao custo mensal do programa Bolsa Família, que ampara mais de 40 milhões de pessoas. Com ventos tão bons, Léo Pinheiro, ex-presidente da OAS, anunciou que recorrerá ao ministro. Ele não será o último da fila, pois há muitos outros conversando com seus advogados.

Com suas razões, Toffoli suspendeu multas que resultaram de um acordo feito pelas empresas, em busca de leniência por conta de ilícitos que, confessadamente, haviam praticado.

Pela Odebrecht, assinaram 77 executivos da empresa, inclusive o patriarca Emílio e seu filho Marcelo. O poderoso herdeiro foi condenado a 19 anos de prisão por Moro em 2016. Com a colaboração, teve a pena reduzida para dez anos e o Supremo baixou-a para sete anos e meio. Está livre.

Na Florença do século 16, os efeitos das prédicas do frade Savonarola só começaram a ser extirpados depois que ele foi queimado e suas cinzas atiradas no rio que corta a cidade. Em Pindorama do 21, Moro subirá ao patíbulo com as cinzas da Lava Jato guardadas nos arquivos do Judiciário.

As semelhanças entre Savonarola e Moro apagam-se diante do tamanho da diferença posterior às prédicas de ambos contra a corrupção. Chamado pelo papa Borgia, o frade não foi a Roma. Chamado por Bolsonaro, Moro foi para o Ministério da Justiça do país de Macunaíma. Mais tarde, integrou-se à sua corte durante os debates da sucessão de 2022.

Mulheres na Abin

Lula nomeou cinco mulheres para chefiar departamentos da Agência Brasileira de Inteligência, a Abin. Quem acha que mulheres nessas posições podem significar refresco, engana-se.

Donald Trump colocou a primeira mulher à frente da Central Intelligence Agency, a CIA. Funcionária de carreira, Gina Haspel chefiou uma prisão clandestina da agência na Tailândia e passou pela central de interrogatórios de Guantánamo. Ao contrário de muitos marmanjos de Brasília, ela não participa de redes sociais. Três outras funcionárias da CIA foram decisivas para a localização do terrorista Osama Bin Laden em 2011.

Isso para não mencionar a inglesa Daphne Park (1921-2010), que se tornou a baronesa Park de Monmouth em 1990. Ela rodou o mundo e estava no Congo em 1961, quando o ex-primeiro-ministro Patrice Lumumba foi assassinado. Pouco antes de morrer, ela teria revelado a um colega da Câmara dos Lordes que "fomos nós".

Parece que não. Saiu há poucos meses o excelente livro "The Lumumba Plot", de Stuart Reid, editor da revista Foreign Affairs. Na cena do fuzilamento de Lumumba estavam um pelotão de congoleses e quatro policiais belgas.

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