Esper Kallás

Médico infectologista, é professor titular do departamento de moléstias infecciosas e parasitárias da Faculdade de Medicina da USP e pesquisador na mesma universidade.

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Esper Kallás

A poliomielite pode ser a próxima doença do imobilismo

Não se pode aceitar a queda das vacinações no Brasil

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O personagem Zé Gotinha, mascote da vacinação do Brasil, foi criado em 1986 durante campanha de vacinação contra o vírus da poliomielite. O controle desta doença só foi possível com o uso, em larga escala, das vacinas Sabin e Salk.

Mas o que é a poliomielite e por que a maioria dos jovens nem sequer conhece alguém que tenha tido a doença?

Principal causa de paralisia antes do surgimento das vacinas, essa doença marcou o passado de centenas de milhares de adultos e, principalmente, crianças. Uma das doenças infantis mais temidas do século 20, o nome paralisia infantil surgiu atrelado a cenas de muletas, cadeiras de rodas e pulmões de aço.

Zé Gotinha, a mascote criada para promover o Programa Nacional de Imunizações, em frente ao Ministério da Saúde, em Brasília
Zé Gotinha, a mascote criada para promover o Programa Nacional de Imunizações, em frente ao Ministério da Saúde, em Brasília - Adriano Machado - 22.fev.22/Reuters

Durante a epidemia da doença na Dinamarca, na tentativa de salvar as vidas de crianças com formas graves de poliomielite, o anestesiologista Bjorn Ibsen, em 1953, instituiu o uso dos primeiros ventiladores de pressão positiva. Com a ajuda de 200 estudantes de medicina, que bombeavam manualmente o ar nos pulmões de enfermos paralisados, dia e noite, surgiram as primeiras unidades de terapia intensiva.

Há três tipos de vírus que podem causar a doença: as variantes selvagens 1, 2 e 3. Os esforços de vacinação, em diferentes regiões, conseguiram erradicar os vírus selvagens 2 e 3, respectivamente em 2015 e 2019.

A persistência do vírus selvagem tipo 1 ainda causa surtos da doença em alguns lugares do mundo. Sem surpresa, alguns casos ainda são detectados em zonas de conflito, onde a vacinação é particularmente difícil. A principal região está na fronteira do Paquistão com o Afeganistão, onde ainda ocorrem casos de forma perene, definindo uma situação endêmica.

Outras regiões de conflito, como a Síria e a Ucrânia, são bastante problemáticas. A queda da cobertura vacinal aumenta o número de crianças suscetíveis à doença, ativando o sinal de alerta.

O norte da Nigéria também teve casos até recentemente. A região de conflito com o grupo Boko Haram dificultou a vacinação de crianças. Só conseguiu obter da OMS o certificado de estar livre da doença em agosto de 2020.

Notícias mais recentes trazem preocupação. Um caso diagnosticado no Maláui em novembro de 2021 e o surto com oito casos em Israel mostram a resiliência do vírus.

Em Jerusalém, foram seis casos em crianças que não foram vacinadas, além de dois outros suspeitos. O vírus tem semelhança com o que circula no Paquistão, sugerindo que foi importado. A ocorrência resultou na adoção de nova campanha de vacinação e acendeu a luz vermelha na região.

A situação nas Américas é melhor. O último caso ocorreu em 1991, no Peru, enquanto no Brasil o último foi em 1989, na Paraíba. O certificado de erradicação para ambos os países foi outorgado em 1994.

Portanto, há 27 anos não temos casos no Brasil, graças ao esforço de um reconhecido Programa Nacional de Imunizações. Porém, a atual queda da cobertura vacinal está colocando esta conquista em risco.

Menos de 80% das crianças brasileiras completam o calendário básico de vacinação para qualquer uma das doenças preveníveis, com tendência contínua de queda. Isto é um desastre! Estamos diante do rascunho de mais uma tragédia anunciada para crianças e adultos, que poderão morrer por doenças que podem ser evitadas, além de uma temida reintrodução da poliomielite no país.

As vacinas mudaram a história da humanidade e esse é um fato incontestável. Não é sem tempo a responsabilização dos que atacam ou sabotam programas de vacinação.

Ou continuaremos oferecendo espaço para que negacionistas irresponsáveis redesenhem o cenário sombrio que, à grande custa, conseguimos apagar?

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