Ezra Klein

Colunista do New York Times, fundou o site Vox, do qual foi diretor de Redação e repórter especial

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Republicanos levarão caos ao Congresso dos EUA se eleitos

Enquanto Biden venceu prometendo retorno à normalidade, partido rival se compromete com volta da calamidade

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Se vencer as midterms de 2022, o Partido Republicano oferece algo diferente de conservadorismo. É crise. Mais precisamente, crises, no plural. Crise do teto da dívida. Crise eleitoral. E um golpe nos esforços do governo para se preparar para várias outras crises que sabemos que virão.

Isso não quer dizer que não haja projetos de lei que os deputados republicanos gostariam de aprovar. Eles existem. A coisa mais próxima de uma agenda que os congressistas do partido divulgaram é o orçamento de 122 páginas do Comitê de Estudos Republicanos da Câmara.

A comissão deveria funcionar como uma espécie de think tank interno para os deputados da legenda. Em sua composição está mais da metade deles, incluindo Steve Scalise, Elise Stefanik e Gary Palmer —todos os líderes integram o grupo, com exceção de Kevin McCarthy.

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Púlpito envolto em saco plástico antes de encontro de políticos com a imprensa na escadaria do Capitólio americano, em Washington - 13.mai.22 - Kenny Holston/The New York Times

Depois de gastar um tempo lendo o documento, diria que falta nele até a pretensão de priorizar algumas pautas, preferindo em vez disso a comodidade da abundância. Ele lista inúmeros projetos de lei que os deputados republicanos gostariam de aprovar.

Uma legislação que derrubaria a estrutura e os poderes do governo —caso do projeto patrocinado pelo deputado Byron Donalds, que busca abolir o Escritório de Proteção ao Consumidor Financeiro— recebe o mesmo tratamento que o projeto do deputado Bob Good para obrigar as escolas a divulgar sua correspondência com sindicatos de professores sobre quando deveriam reabrir ou que a resolução do deputado Michael Cloud que desaprova a vacinação de crianças de 11 anos em Washington.

Há planos para privatizar grande parte do Medicare, revogar grande parte do Obamacare e aumentar a idade mínima da Previdência Social, além de oito projetos de lei atacando a ideia de racismo estrutural.

Mas mesmo que os republicanos conquistem a maioria na Câmara e no Senado, eles não podem aprovar essas leis. Elas seriam submetidas ao veto do presidente Joe Biden.

O que os republicanos podem fazer é provocar crises que, esperam, dariam a eles vantagem para forçar o líder democrata a aceitar essa agenda —ou para obrigá-lo a deixar o cargo. E mesmo nos temas em que uma crise não significaria a vitória da liderança republicana, eles podem ter que provocá-la de qualquer forma, para provar seu compromisso com a causa ou evitar a ira de Donald Trump.

Começando pelo teto da dívida. Os títulos do Tesouro dos EUA são o ativo fundamental do sistema financeiro global. Representam o mais seguro dos investimentos, a segurança que países e fundos compram quando precisam ter absoluta certeza de que seu dinheiro está protegido.

Muitas outras coisas no sistema financeiro são precificadas com base nessa suposição de confiabilidade americana: os credores começam com a taxa de retorno sem risco —ou seja, a taxa de juros dos títulos do Tesouro dos EUA— e depois adicionam seus prêmios sobre ela. Se o governo desse calote em sua dívida, desencadearia o caos financeiro. (Esse é um jeito de lidar com a inflação: destruir a economia global!)

Os republicanos foram perfeitamente claros, no entanto: eles veem o limite da dívida como alavanca nas negociações com Biden. "Nós lhe daremos mais dinheiro, mas você tem de mudar seu comportamento atual", afirmou McCarthy, o líder da minoria republicana e possível presidente da Câmara, ao Punchbowl News. "Nós não vamos simplesmente continuar aumentando o limite do seu cartão de crédito, certo?"

McCarthy pode parecer comedido, mas o mero fato de abrir a porta para essa tática mostra sua fraqueza ou imprudência. Um refém só dá vantagem se o criminoso estiver disposto a atirar. E haverá muitas vozes exigindo que os republicanos apertem o gatilho ou que ao menos provem a vontade de fazê-lo.

Uma dessas vozes será a de Trump. "É uma loucura o que está acontecendo com esse teto da dívida", disse ele recentemente a um apresentador de rádio conservador. "Mitch McConnell continua deixando que isso aconteça. Quero dizer, eles deveriam declarar o impeachment de McConnell se ele permitir isso."

O histórico dos líderes do Partido Republicano em resistir às demandas de seus correligionários linha-dura, mesmo quando pensam que essas demandas são insanas, não é inspirador, para falar o mínimo.

McConnell e o ex-presidente republicano da Câmara, John Boehner, não tinham poder suficiente sobre seus membros para rejeitar o malfadado bloqueio de Ted Cruz à Lei de Acesso à Saúde em 2013, que ambos pensavam ser uma maluquice. E a influência de Cruz entre a base republicana e a bancada republicana no Congresso em 2013 não era nada em comparação ao poder que Trump exerce hoje.

Essa não é a única crise iminente. A esta altura, muito se sabe sobre as inúmeras tentativas que Trump e seus apoiadores fizeram para subverter o resultado da eleição presidencial de 2020.

A salvação do país foi que havia pouco preparo por trás desse esforço, e os republicanos em posições-chave —para não falar nos democratas– mostraram-se hostis ao projeto. Mas, como o New York Times noticiou em outubro, mais de 370 republicanos que concorrem na eleição de 2022 disseram duvidar dos resultados daquela de 2020 e "centenas desses candidatos são favoritos para vencer as disputas".

As eleições de 2022 provavelmente levarão ao poder centenas de republicanos comprometidos com a ideia de garantir que as eleições de 2024 os favoreçam, independentemente do resultado da apuração.

Quase nada foi feito para fortalecer o sistema contra trapaças desde janeiro de 2021. E se os congressistas do partido se recusarem a certificar os resultados nos principais estados, como fez a maioria dos deputados republicanos em 2020? E se, quando Trump ligar para secretários de estado ou governadores republicanos ou supervisores do conselho eleitoral em 2024, exigindo que encontrem os votos que ele gostaria de ter ou desqualifiquem os votos do rival, eles se esforçarão para obedecê-lo?

As possibilidades de crise são muitas.

Nem todas as crises começam com um confronto político. Algumas podem vir de um vírus cuja nova mutação é mais letal do que a anterior. Algumas podem vir de um aquecimento do planeta além daquela faixa estreita de possibilidades que permitiu a civilização humana. Algumas podem vir das ambições expansionistas de ditadores e autocratas. Os últimos anos trouxeram exemplos vívidos de todas as três.

Mas, particularmente no ano passado, o Partido Republicano se mostrou de insolente a hostil em relação aos preparativos e as respostas que essas possíveis crises exigem.

Na semana passada, critiquei o governo Biden por não encontrar um caminho na linha de sua legenda democrata para financiar os preparativos para a pandemia. Mas esse caminho só era necessário porque o Partido Republicano foi profundamente contra os esforços para se preparar para uma próxima pandemia.

O orçamento do Comitê de Estudos Republicanos é um exemplo claro da visão do partido sobre a Covid. Não é que os republicanos sejam a favor do vírus. Mas a energia do partido é muito, muito anti-Covid.

Inclui projeto atrás de projeto atacando a obrigatoriedade da imunização, atos de centralização do poder e vacinação de crianças. Mas em suas mais de cem páginas, não encontrei nenhuma proposta para garantir que estejamos mais preparados para a próxima ameaça viral.

E não é só a Covid. Os republicanos são há muito céticos sobre os esforços para nos prepararmos para as mudanças climáticas. O orçamento do comitê de estudos está cheio de planos para estimular a extração de combustíveis fósseis e impedir que os dólares federais apoiem o Acordo de Paris.

Além disso, mesmo que os republicanos estejam, digamos, divididos em suas afeições por Vladimir Putin, ao menos nos primeiros dias da invasão da Ucrânia pela Rússia muitos apoiaram os esforços para ajudar o primeiro. Mas McCarthy insinuou que os republicanos cortarão a ajuda à Ucrânia se vencerem em novembro, e ele está longe de ser o único a querer que os Estados Unidos recuem do conflito.

Direi isto a favor dos republicanos: eles não esconderam suas intenções ou suas táticas. Eles deixaram claro o que pretendem fazer se vencerem. Biden concorreu —e venceu— em 2020 prometendo um retorno à normalidade. Os republicanos estão concorrendo em 2022 prometendo um retorno à calamidade.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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