Ezra Klein

Colunista do New York Times, fundou o site Vox, do qual foi diretor de Redação e repórter especial

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Biden usa estratégia vencedora em 2020 para conter Trump novamente

Presidente tem feito muito, mas aparece pouco e espera que assim possa levar democratas a vitória nas midterms

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The New York Times

Segundo o Instituto Gallup, 56% dos americanos desaprovam o trabalho que o presidente dos EUA, Joe Biden, está fazendo. Cerca de 80% dizem que o país está no rumo errado, 82%, que o estado da economia é "mediano" ou "fraco" e 67% pensam que tudo só está piorando.

As midterms (eleições parlamentares na metade do mandato presidencial) normalmente são negativas para o partido do presidente. Mas imagine uma midterm em meio a esse nível de desapontamento com o presidente e com o partido? Deveria ser cataclísmica.

Presidente dos EUA, Joe Biden, acena ao embarcar no Força Aérea Um antes de partir da Base Conjunta Andrews, em Maryland
Presidente dos EUA, Joe Biden, acena ao embarcar no Força Aérea Um antes de partir da Base Conjunta Andrews, em Maryland - Mandel Ngan -7.out.22/AFP

No entanto, não é assim que está parecendo que a eleição será, ao menos por enquanto. A previsão do site FiveThirtyEight dá aos democratas uma chance em três de conservar o controle da Câmara e de duas em três de manter o controle do Senado. Outras previsões seguem linha semelhante, e mercados de apostas, idem.

Talvez as pesquisas, em que as margens de diferença diminuíram um pouco, estejam subestimando a participação dos eleitores republicanos. Já vimos isso antes e, fato preocupante para os democratas, em alguns dos estados nos quais eles mais precisam vencer. Mas mesmo um desempenho republicano forte seria muito distante das derrotas acachapantes do partido no poder vistas em 1994, 2010 e 2018. Vale a pena perguntar por quê.

Comecemos com os assentos que os partidos têm agora. Apenas sete deputados democratas venceram em distritos em que Donald Trump foi vitorioso em 2020. Os democratas não estão defendendo muitos dos assentos que trocaram de lado e que levaram a derrotas enormes em 2010 e 1994. Por outro lado, o mapa do Senado está bastante bom para os democratas, com republicanos defendendo mais assentos.

E, é claro, há a decisão da ação Dobbs [que reverteu o direito constitucional ao aborto], que levou a um aumento do interesse por candidatos democratas e do número de mulheres jovens registrando-se para votar. Todos os candidatos, estrategistas e analistas com quem conversei, de ambos os partidos, acreditam que o caso mudou a cara da eleição. O que estão tentando entender é se essa energia está perdendo força com o passar dos meses e a aproximação do pleito.

Mas há outra coisa que está distorcendo a disputa: a relativa ausência de Biden e a presença incomum de Trump.

Eis um fato estranho: desde julho, as buscas no Google por "Trump" superam as por "Biden". Durante a mesma fase em 2018, Trump estava muito adiante de Barack Obama no número de buscas e, em 2010, Obama estava adiante de George W. Bush. É o que ocorre normalmente: as midterms são um referendo sobre o presidente; o predecessor deposto ou aposentado raramente tem grande presença. Mas esta é diferente.

A presença constante e interminável de Trump na política vem de algumas fontes. Uma delas é, bem, Trump. Ele nunca para de falar, xingar, se queixar, persuadir, provocar. Está se preparando publicamente para uma campanha em 2024. Enquanto escrevia este texto, recebi um email de "Donald J. Trump" intitulado "Corrupt News Network", anunciando que Trump está movendo um processo contra a CNN por difamação. Este não é um sujeito que está tentando ficar fora do noticiário.

E temos as consequências incomuns do governo Trump que reverberam em nossa política. A investigação sobre o 6 de Janeiro continua, e o FBI revistou Mar-a-Lago para recuperar documentos que Trump teria levado de modo impróprio. O republicano, por sua parte, disse recentemente a Sean Hannity que o presidente pode tirar documentos da categoria de secretos "simplesmente pensando nisso". Aiaiai...

Trump também é responsável por alguns dos candidatos medíocres que estão causando problemas aos republicanos. Promoveu J.D. Vance em Ohio, Herschel Walker na Geórgia e Mehmet Oz na Pensilvânia. Todos estão tendo resultados inferiores ao esperado em suas respectivas disputas. Num discurso que fez na Câmara do Comércio do Norte de Kentucky, Mitch McConnell admitiu que os republicanos talvez não virem o Senado e observou asperamente: "O resultado tem muito a ver com a qualidade dos candidatos".

Mas os esforços de Trump para continuar no noticiário são acompanhados pelos esforços de Biden para ficar fora dele. O presidente dá espantosamente poucas entrevistas. Não faz gestos que chamem a atenção nem tuítes que suscitem grande repercussão. Nem sempre tenho certeza se isso é por estratégia ou por necessidade: não está claro se a equipe de Biden confia que ele consiga fazer com que conversas individuais ou entrevistas o beneficiem. Mas talvez a diferença não venha ao caso: uma boa estratégia às vezes nasce de uma realidade indesejada.

Biden simplesmente não ocupa muito espaço no discurso político. Ele é uma figura muito menos central, polêmica e chamativa do que foram Trump, Obama ou Bush. Biden tem, surpreendentemente, realizado muito nos meses recentes, mas depois de concluir alguma coisa ele volta a sumir no segundo plano.

Isso não significa que não faça nada. Ele governa. Nesta última semana, anulou todas as condenações federais por posse de maconha. Antes disso, cancelou centenas de bilhões de dólares em dívida estudantil (ainda que haja questões legais e administrativas em relação a esse plano). Assinou a Lei de Redução da Inflação. Mas depois ele segue para o assunto seguinte; não está interessado em pegar suas ideias para políticas públicas e convertê-las em guerras culturais.

Biden não conquistou a indicação para a candidatura presidencial democrata em 2020 por ser o candidato mais instigante ou ter multidões de partidários convictos. O argumento mais frequentemente apresentado em favor dele era que outras pessoas o achariam aceitável. E ficou comprovado que era o caso.

Biden conseguiu reunir uma coalizão incomumente ampla de pessoas que temiam Trump e que consideravam Biden ok. Essa estratégia exigiu uma atuação discreta. Muitos políticos teriam enfrentado Trump e tentado fazer a eleição girar em torno deles. Biden se conteve e deixou que Trump fizesse a eleição ser sobre ele, Trump.

Desconfio que seja por isso que o índice de aprovação de Biden é e tem sido moderado. Ele atrai os democratas não tanto por que os inspira, mas porque parece ser alguém que possibilita que as coisas sejam realizadas. Não é preciso amá-lo para apoiá-lo, não é preciso nem sequer gostar realmente dele. É preciso acreditar nele como veículo para impedir algo pior. Isso ainda se aplica hoje.

O que nunca ficou claro para mim era o que Biden e os democratas fariam quando Trump não fosse candidato –quando Biden tivesse que animar o entusiasmo democrata sozinho. Mas Biden está usando em 2022 uma estratégia surpreendentemente semelhante à que utilizou em 2020, com alguma evidência de sucesso. Ele não tenta dominar a atenção do país dia após dia. E isso tem deixado espaço para Trump, a Suprema Corte e uma leva de candidatos republicanos insatisfatórios converter-se no assunto do dia e lembrar aos democratas o que está em jogo em 2022.

Estou cético demais, depois dos equívocos recentes nas pesquisas, para achar que podemos dar como certo que este será um bom ano para os democratas. Vitórias republicanas na Câmara e no Senado não me surpreenderão.

Mas vale notar: neste mesmo ponto em 2010, os republicanos estavam muito mais entusiasmados que os democratas em ir às urnas. Neste mesmo ponto em 2018, os democratas estavam mais entusiasmados que os republicanos. E este ano? É mais ou menos um empate, com algumas pesquisas chegando a dar uma ligeira vantagem aos democratas.

Se esses números se confirmarem e os democratas evitarem uma derrota arrasadora em novembro, Biden vai ficar devendo um cesto de frutas a Trump.

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