Ezra Klein

Colunista do New York Times, fundou o site Vox, do qual foi diretor de Redação e repórter especial

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Los Angeles não sabe como lidar com crise habitacional e alta de moradores de rua

Cidade tem autoridade fraturada, e candidatos à prefeitura não parecem saber propor soluções

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The New York Times | The New York Times

Em 2016, a população de Los Angeles aprovou de forma esmagadora a chamada Proposta HHH, medida que arrecadou US$ 1,2 bilhão por meio de um imposto predial para criar 10 mil novos apartamentos para pessoas em situação de rua. "Os eleitores modificaram radicalmente nosso futuro", disse o prefeito Eric Garcetti, "dando-nos um mandato para acabar com os sem-teto na próxima década."

Seis anos depois, nem o mandato nem o dinheiro se mostraram suficientes. Em 2016, Los Angeles tinha 28 mil moradores sem residência, dos quais 21 mil estavam desabrigados —ou seja, morando na rua. A contagem atual está mais próxima de 42 mil e 28 mil, respectivamente. A "Prop HHH" construiu unidades, mas lentamente e a um custo assustador.

A cidade diz que 3.357 unidades foram construídas, e a auditoria mais recente apontou o custo médio de US$ 596.846 (R$ 3,2 milhões) por unidade –mais do que o preço médio de venda de uma casa em Denver. Algumas custaram mais de US$ 700 mil.

Homem em situação de rua sob viaduto com grafite em Los Angeles - David Swanson - 7.abr.22/Reuters

Karen Bass e Rick Caruso, candidatos que disputam o posto de Garcetti, não tendem a concordar muito, mas estão de acordo que a HHH não cumpriu sua promessa. "Gastar tanto por unidade não faz sentido", disse-me Caruso.

Bass não foi muito mais gentil. "Se eu for eleita prefeita, quero lidar com os sem-teto como se fosse um furacão. Quero dizer: em tempos normais, todos temos essas necessidades, mas isso é um furacão, precisamos tirar as pessoas das ruas imediatamente. Muitas regras e regulamentos dos tempos normais precisam ser afrouxados."

Mas não é como se Garcetti quisesse que seu esforço principal se torne uma lição objetiva sobre a irresponsabilidade do governo. Ouvindo-o agora, há um ar inconfundível de fatalismo, lutas perdidas e limites aprendidos. "A maioria das causas para os moradores de rua e a maioria das soluções estão além da jurisdição do prefeito", disse à rádio local KCRW.

Esse tipo de frase é um chamariz para um candidato novato como Caruso. "Temos todas essas autoridades eleitas que lhe darão todas as desculpas sobre por que as coisas não podem ser feitas. Isso para mim é um verdadeiro problema de atitude. Não duraria muito tempo na minha empresa." Mas encontrar uma solução requer clareza sobre qual é o problema. E o problema aqui é perverso.

Yasmin Tong é fundadora da CTY Housing, consultoria em projetos habitacionais de baixo custo. Em 2015, ganhou o prêmio Herói Desconhecido de uma associação do setor na Califórnia. Ela explica como a habitação acessível é construída quando tudo vai bem.

Primeiro, leva um ano para encontrar terrenos disponíveis, que devem estar próximo de transporte público, mercados e farmácias. Você precisa ter motivos para acreditar que pode obter o apoio da comunidade ou superar sua oposição. Precisa ser capaz de superar incorporadoras que podem pagar mais ou conseguir financiamento mais rapidamente.

Etapa dois: obter a aprovação local e as licenças. Isso também leva um ano ou mais, se tudo correr bem. Mas muitas vezes nem tudo vai bem. Os vizinhos brigam com você e frequentemente o processam.

Em Venice, o projeto Dell Community está tentando transformar um estacionamento da prefeitura em um prédio de 140 unidades para moradores de rua e artistas de baixa renda. O empreendimento está sendo combatido por uma série de proprietários locais.

Eles acusam, entre outras coisas, que "Venice precisa desse terreno para resolver a crônica escassez de estacionamento", que a habitação seria "uma monstruosidade arquitetônica" e desenvolvida "sem análise ambiental em uma zona de risco de tsunami". (Quando os moradores de Los Angeles querem moradia acessível? Agora! Onde eles querem? Não aqui!)

Para sobreviver à oposição local, muitas vezes é preciso aceitar uma série de concessões que aumentam os custos: contratar arquitetos caros, refazer projetos, contratar advogados e auditores extras. Mesmo que um projeto sobreviva a tudo isso, seu custo unitário é mais alto —o que se torna mais um ponto usado na oposição ao próximo.

Esse é um tema no qual a raiva de Caruso pelo ritmo lento e alto custo de desenvolvimento de LA colide com sua simpatia por —ou sua necessidade de ganhar votos de— proprietários irritados. Caruso é um empreiteiro conhecido por megaprojetos. "Sempre há preocupações da comunidade. Você sempre leva tempo para ouvi-la e encontrar um campo comum", ele me disse.

"Quando você entra em bairros como Venice, o que ouço é que eles apoiam muito moradias populares; apenas querem que o projeto seja feito e operado de uma maneira que reflita seu bairro. Não acho que os empreiteiros ou a prefeitura devam discutir isso. É a coisa certa a fazer."

Isso pode ser verdade. Mas, uma vez que você concorda com tudo o que os proprietários locais querem, você acaba com projetos pequenos e caros.

Caruso quer construir mais residências e mais baratas. Está muito animado com projetos pré-fabricados de baixo custo. Quer ouvir mais os proprietários locais. Mas há uma tensão entre essas duas visões que ele não resolveu.

Bass, no entanto, não tinha respostas radicalmente diferentes. Foi mais rápida ao enfatizar a necessidade de usar os terrenos que a cidade possui, mas, como mostra o projeto de Venice, isso só o leva até certo ponto.

O que nenhum dos candidatos sugeriu foi qualquer mudança no poder que proprietários locais têm para desacelerar ou interromper esses projetos. E é justo. Mas isso indica a dificuldade que eles terão para obter resultados radicalmente diferentes.

Ron Galperin é o inspetor da cidade de Los Angeles, responsável pela auditoria da HHH. Você poderia esperar que ele elogiasse o esforço do projeto para combinar cada dólar com US$ 5 de outros financiadores, mas estaria errado.

"Basicamente, todo o custo inflacionado que acompanha regulamentações e limitações se destina a cobrir o custo das regulamentações. Eles recebem US$ 134 mil da cidade, mas as barreiras que precisam ser superadas para obtê-los podem ultrapassar esse valor. Criamos um sistema totalmente insano."

Heidi Marston chefiou a Autoridade de Serviços aos Sem-teto de Los Angeles até abril, quando renunciou. "Há toneladas de dinheiro que vão para os sem-teto. Meu orçamento era de quase US$ 1 bilhão. Mas o dinheiro vem com exigências tão estritas que é quase impossível gastá-lo."

A simpatia de Bass por essa visão não traz uma solução óbvia. Ela falou sobre a possibilidade de empréstimos públicos para que empreiteiras possam avançar enquanto buscam o financiamento total. Tanto ela quanto Caruso mencionaram planos vagos de pedir mais financiamento privado. Nenhum tem um plano para mudar drasticamente a forma de financiamento da habitação.

E alguns de seus impulsos podem piorar as coisas. Em seu site, Bass promete "responsabilidade, transparência e supervisão adequada" para o financiamento da HHH. Caruso diz que planeja contratar uma empresa independente para auditar a HHH.

Transparência, supervisão e eficiência soam bem e atraem votos. Mas os requisitos existentes de transparência, supervisão e eficiência têm afastado interessados.

Se o terreno for encontrado, os títulos concedidos e o financiamento montado, a construção pode começar. Os custos trabalhistas já são altos em Los Angeles, mas são ainda mais para projetos da HHH —encargos adicionam cerca de 20% ao valor de mercado da mão de obra do setor.

Depois, há os extensos códigos de construção verde da Califórnia. "Os padrões são mais elevados do que em qualquer outro lugar do país", disse-me Yasmin Tong. "Você não precisa só construir de acordo com o padrão; também precisa contratar um consultor para confirmar que construiu de acordo com o padrão."

Depois há acordos sob medida feitos com conselhos de planejamento e opositores locais dos projetos. Individualmente, muitos desses padrões e complementos soam bem e até são bons —quem seria contra o ar mais limpo? Quem não quer altos salários para os trabalhadores da construção? Mas, cumulativamente, isso equivale a um fracasso em priorizar a construção de moradias acessíveis de forma acessível e rápida.

"Incorporadoras do mercado estão construindo novas unidades a US$ 250 mil cada uma; menos da metade do que essas unidades estão custando", disse Galperin.

Ele acredita que a classe política de Los Angeles errou ao se concentrar no uso de fundos da HHH para moradias permanentes vinculadas a esses padrões. "Queremos a melhor moradia possível para todos", afirmou. "Mas vamos parar de fazer do perfeito o inimigo do bom ou do bom o suficiente."

Galperin também argumenta que se deveria gastar mais em leitos em abrigos e moradias provisórias. "Não é o ideal, mas com tantas pessoas morrendo todos os dias deve haver um senso de urgência."

Eu gostaria de poder dizer que, ao relatar essa história, encontrei soluções fáceis. Mas não. A autoridade está fraturada no sistema político de Los Angeles. O prefeito está fraco e a Câmara Municipal um caos —Nury Martinez, sua ex-presidente, renunciou após gravações de comentários racistas que ela fez e Kevin de León, outro membro presente nas gravações, está na corda bamba.

O mais próximo de uma razão para otimismo é que Bass ou Caruso teriam algo que faltava a Garcetti: apoio estadual. Muitas habitações acessíveis foram isentas da Lei de Qualidade Ambiental da Califórnia. Foi dado o direito a uma maior densidade e requisitos de estacionamento mais brandos. O governador Gavin Newsom decidiu que essa questão definirá seu legado, e agora ele e o Legislativo estão aprovando projetos com tamanha pressa que ninguém com quem falei estava confiante que eles entendiam todo o escopo do que foi modificado.

O estado também está intensificando a aplicação das leis que aprovou. A Califórnia costumava ver o desenvolvimento habitacional como um problema para as prefeituras resolverem. Não mais.

Apesar das profundas diferenças das campanhas, minhas conversas com Bass e Caruso não foram tão diferentes. Ambos dizem que a falta de moradia é uma emergência e deve ser tratada como tal; que regulamentações e padrões precisam ser eliminados; que o dinheiro do setor deve ser fácil de gastar.

E ambos enfrentam os mesmos desafios políticos: cumprir suas intenções significará empreender brigas brutais —com sindicatos, opositores de bairros, Câmara, reguladores. Ninguém gosta dos resultados que Los Angeles está obtendo. Mas muitos se beneficiam do sistema como está. Muitos querem soluções, mas não aquela situada perto de casa ou da escola dos filhos. E não, essa também não; é horrível. Ou aquela; você não viu os problemas de estacionamento que o bairro já tem?

Eis o paradoxo do desenvolvimento habitacional em LA e em tantas outras cidades. A política da crise de moradias a preços acessíveis é terrível. A política do que é preciso fazer para resolvê-la é ainda pior.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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