Flávia Boggio

Roteirista. Escreve para programas e séries da Rede Globo.

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Flávia Boggio
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Nunca estamos prontos para ter filhos

Algumas vezes até pensamos se dá para devolver, mas eles não vêm com etiqueta

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Nunca estamos prontos para ter filhos. Na maioria das vezes, concluímos isso após tê-los. E, aí, não tem volta.

Quer dizer, para alguns pais, é só abandonar por aí que está tudo bem. Os posts melancólicos dos filhos de pais ausentes, no último domingo, não nos deixam mentir. Mas isso é outra história.

Quando desejamos e planejamos de fato cuidar de uma nova vida, pensamos no ser humano que vamos formar, no tal "maior amor do mundo", no café da manhã animado idealizado pelas propagandas de margarina.

Assim que levamos o pacotinho para casa, percebemos que as coisas são bem diferentes. Não que os atributos citados aqui não existam. Mas, junto com eles, vêm noites mal dormidas, cólicas aterrorizantes, viroses. Também não avisam que, junto com a criança, vem uma máquina produtiva de fazer cocô, pedir coisas e destruir o que encontra pela frente.

Na ilustração de Galvão Bertazzi uma criança está correndo com a cabeça da mãe nas mãos. Ela se joga de um morro alto. Placas de aviso dizem: Não ultrapasse! Perigo! A criança está com um galho de árvore na boca, entre os dentes. A mãe sem cabeça logo atrás está desesperada!!
Ilustração de Galvão Bertazzi para coluna de Flávia Boggio de 15 de agosto de 2024 - Galvão Bertazzi/Folhapress

Algumas vezes até pensamos se dá para devolver. Mas filho não vem com etiqueta.

Embalou, é seu.

Ao mesmo tempo em que questionamos por que escolhemos esse caminhão de problemas, lutamos a todo custo para protegê-los. Porque esse pacotinho também tem um alto poder de autodestruição.

Crianças são capazes de se machucar com qualquer coisa. Não adianta colocar travas em armários, capacetes e redes de proteção. Elas encontrarão um jeito de se machucar, porque a extrema criatividade para pensar em asneira também vem de brinde.

Uma colher vira uma alavanca para arrombar uma janela. Uma cortina se transforma em um cipó, e um taco de madeira solto é uma arma branca. Mas eu não imaginava que elas seriam capazes de cair de um morro com um galho na mão, o galho entrar na boca e atravessar a bochecha.

Se tomei minha primeira anestesia geral aos 38, meu garotinho tomou aos quatro.

Agora estou eu em um hospital, com um dos meus filhos de quatro anos, que acabou de sair de uma cirurgia para retirada de pedaços de madeira da bochecha. A bengala que ele usou para ajudá-lo na escalada virou uma lança e fez uma bichectomia natural dentro da boca da criança.

Na sala de espera, descobri que ter objetos enterrados na boca é uma habilidade comum entre crianças. Os médicos já retiraram pirulitos, palitos de algodão doce e até cabides de roupa de dentro da boca dos pequenos.

Realmente, nunca estamos prontos para ter filhos. E não dá para devolver.

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