Flavia Lima

Repórter especializada em economia, é formada em ciências sociais pela USP e em direito pelo Mackenzie. Foi ombudsman da Folha de maio de 2019 a maio de 2021.

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Flavia Lima

Sobre picuinhas e jornalismo

Bate-bocas e birutices fazem parte do governo, portanto merecem atenção

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Esta é a minha coluna de estreia como ombudsman da Folha, após 19 anos como repórter de economia. 

Ao longo da última semana, porém, já pude dimensionar a complexidade do trabalho ao receber emails de leitoras e leitores da Folha, além de telefonemas e mensagens de gente disposta a pensar o jornal. 

Os contatos reforçaram a percepção de que, embora esteja sob ataques nas redes sociais, o jornalismo reemerge, também por isso, como algo a ser admirado. 

Ouvi de muitos que a Folha demonstra vigor. O que me chamou a atenção, no entanto, foram os leitores insatisfeitos, alguns inconformados com o que, a seu ver, seria uma escolha do jornal, a de acentuar “picuinhas” do novo governo para desestabilizá-lo.

Os comentários foram feitos numa semana na qual militares e apoiadores do influenciador Olavo de Carvalho, dois dos grupos que compõem o novo governo, protagonizaram um duro embate nas redes sociais, no qual não faltaram xingamentos que levantaram temores de que a crise pudesse se prolongar.

Na semana em que vimos Abraham Weintraub, o ministro da Educação, área das mais importantes, aparecer em transmissão ao vivo nas redes sociais tentando explicar o bloqueio de verbas na educação superior usando um punhado de bombons

Isso depois de, também em uma “live”, tirar a camisa para mostrar uma cicatriz que ajudaria a explicar o mau desempenho escolar.

O jornal deve dar publicidade a bate-bocas ou a vídeos que ninguém sabe se devem ou não ser levados a sério?

Ao leitor que pede aos jornalistas que deixem essas bobagens de lado e partam para o que interessa (as propostas do governo para superar uma economia estagnada e um desemprego que atinge mais de 13 milhões de pessoas), digo que jornais e jornalistas também se questionam sobre o que é ou não notícia.

Estamos certos ao divulgar brigas e birutices? O que posso dizer é que, ao acompanhar a formação desse governo, as primeiras medidas tomadas e as idas e vindas dos quatro meses iniciais, vejo que as picuinhas virtuais são parte constitutiva da administração atual.

Como muitos já apontaram, elas compõem um método, têm consequências —das derrotas no Congresso às manifestações estudantis em reação aos desmandos de Weintraub— e, portanto, merecem a atenção da imprensa.

O que não se pode deixar de fazer é jornalismo profissional. E isso envolve recursos, profissionais experientes e gente disposta a aprender, tudo envolto em padrões de conduta que garantem o mais importante: relatos o mais próximo possível dos fatos relevantes, como enfatiza o Projeto Editorial da Folha.

Manter isso em meio aos apertos no orçamento de Redações já reduzidas e com dificuldades de ser financiadas e à necessidade da produção cada vez mais rápida de notícias é uma preocupação. Outra é lidar com a competição com aquilo que se quer passar por notícia, mas não o é.

O desafio só cresce nestes tempos em que vemos a crença na imprensa erodir diante dos ataques daqueles que a enxergam como origem do mal.

De minha parte, como ombudsman do jornal cujo site é o maior em número de páginas acessadas e carteira de assinantes digitais (sim, são novos tempos), devo ouvir o leitor, zelar pelos seus interesses e fomentar o diálogo, em nome de um jornalismo crítico, que reconheça seus erros e seja ele mesmo mais diversificado —o que hoje ainda não é.

Para isso, a Folha terá a sua primeira editora de Diversidade, Paula Cesarino Costa, minha antecessora neste espaço e a quem desejo sorte na empreitada.

No caso dos leitores, que chegam à Folha pelos mais variados canais, a diversidade é real, refletindo um Brasil que se tornou mais vibrante nos últimos 30 anos, mesmo que ainda não totalmente contemplado.

Estou aqui para ouvi-los. Mas isso só será possível se você, leitor, comentar, elogiar, fizer sugestões e, especialmente, criticar a produção do jornal na tentativa de torná-lo melhor. Esses comentários ajudam a construir a coluna semanal e, também, a crítica interna, enviada diariamente à Redação.

Em 2019, serão 30 anos de existência do cargo de ombudsman na Folha. Sou a 13ª na função, a primeira negra. No Brasil, só a Folha e O Povo, do Ceará, mantêm o posto. Em tempos de crise, muitos jornais estrangeiros, em especial americanos, abriram mão de manter um crítico do jornal.

É especialmente nesse cenário que quero me mostrar mais útil, buscando sempre o jornalismo que não deve torcer (embora, às vezes, o faça), mas tem a obrigação de incomodar.

E que, mais do que ser admirado, precisa ser lido.

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