Flavia Lima

Repórter especializada em economia, é formada em ciências sociais pela USP e em direito pelo Mackenzie. Foi ombudsman da Folha de maio de 2019 a maio de 2021.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Flavia Lima

Quem se anima com eleições?

Mesmice, promessas sem lastro e baixo nível seguem como desafios da cobertura

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Em razão do isolamento social imposto pela pandemia da Covid-19, havia certa expectativa sobre as eleições municipais de 2020, em especial a de que os debates transmitidos pela televisão, na ausência das campanhas de rua, conseguissem disputar com as redes sociais a atenção dos eleitores.

Após o primeiro debate, promovido pela Band na noite de quinta (1º), fica a dúvida sobre quais são os motivos para seguir produzindo os encontros.

Um aviãozinho de papel feito com jornal voa sobre retângulos cinzas e projeta sua sombra sobre eles
Carvall

Eles seguem formato antigo, e seu resultado oscila entre o caricato e o maçante, quando não se resume a entretenimento de gosto duvidoso, como se deu no embate entre Donald Trump e Joe Biden, os presidenciáveis dos EUA, na terça (29).

A sensação é que perdemos tempo com fórmulas velhas. Para além dos memes produzidos nas redes sociais, como esses debates interferem nas decisões do eleitor? Se a métrica for a sua adesão às redes sociais do candidato, o resultado terá sido insignificante.

Com 15,8 milhões de seguidores em seus perfis oficiais, os 11 candidatos que participaram do debate em São Paulo haviam conquistado apenas 13.509 novos fãs até o fim da tarde do dia seguinte ao encontro: 7.896 por Guilherme Boulos (PSOL), líder nesse tipo de comparação, e 25 pelo prefeito Bruno Covas (PSDB), o lanterninha. Respeitando as diferenças pelo país, os números são indicativos do baixo apelo desse tipo de atração— um modelo analógico para uma audiência digital—, segundo a empresa de análise de dados Bites.

No caso da Folha, os leitores recorreram pouco à ombudsman para comentar a cobertura inicial do pleito, o que deve mudar nas próximas semanas.

O jornal começou seguindo com lupa as questões raciais e de gênero das candidaturas e tomou uma decisão inédita, ao decidir seguir mais de perto as eleições em uma cidade paulista: Jaboticabal.

A despeito de algum estranhamento ("será que minha assinatura foi transferida para esse município e não estou sabendo?", questionou um leitor), é boa a ideia de trazer a público uma história de campanha fora dos grandes centros.

Não deixa também de revelar as dificuldades especialmente financeiras do jornalismo atual, incapaz de cobrir in loco uma quantidade maior de cidades. Como provocou uma leitora em referência a outra proposta interessante do jornal (a de se debruçar sobre temas cruciais aos 50 estados americanos, projeto iniciado a 50 dias das eleições daquele país): a "Folha vai cobrir 50 bairros de São Paulo também?".

Ainda assim, a parceria do jornal com a Agência Mural já produziu reportagens sobre as eleições na Grande São Paulo e um bom compilado sobre o que foi dito a respeito das periferias no primeiro debate para a Prefeitura da capital.

A Folha também tem feito reportagens sobre a presença de candidatos negros no pleito, tema ainda mais relevante em um momento em que o debate sobre pluralidade na política ganha força e no qual o STF formou maioria para aplicação imediata de cota financeira para candidatos pretos e pardos.

Uma das boas reportagens mostra que ao menos 21 mil candidatos (ou 8% das candidaturas) mudaram a declaração de cor para o pleito deste ano. A maior parte das mudanças (36% do total) foi da cor branca para parda —o que sugere que o fluxo se deu de olho na aprovação das cotas.

Lendo o texto, porém, descobre-se que outros 30% dos que alteraram a cor saltaram de pardo para branco, algo superficialmente explicado.

"Seria fundamental dizer o que se passa porque a gente interpreta o texto também em função do que não é dito", disse uma leitora. "Sem explicar os motivos para as mudanças em cada uma das direções, o número fica solto, algo que parece ter sido feito em nome de uma suposta denúncia de falsos cadastros, que não se confirma", afirma outro leitor.

Atenção às teses preconcebidas, dizem os leitores à Folha.

Quanto aos debates, o influenciador digital Felipe Neto sugeriu a presença de agências de checagens em monitoramento ao vivo das falas dos candidatos, expondo mentiras e imprecisões. Não sei se a ideia é exequível, mas parece boa.

É um clichê apontar isso, mas o fato é que parece haver pouco envolvimento no pleito. Nesse clima, o início da cobertura dá sinais que o jornal está disposto a sair da mesmice—o que deve ser feito, obviamente, sem esquecer erros anteriores.

A então ombudsman Suzana Singer já alertava em 2012 de que as páginas de Poder haviam sido tomadas por declarações sobre o "kit anti-homofobia"—erroneamente chamado de "kit gay", como destacou Singer—, sendo necessário evitar a pegadinha de reproduzir algo pensado para confundir.

Em tempos nos quais o jogo entre os candidatos nas plataformas digitais promete ser bruto (não nos esqueçamos de 2018) e em que a desinformação não poupa ninguém, o jornalismo deve pensar em novos meios de ajudar o eleitor em seu processo decisório, evitando fórmulas desgastadas, contextualizando promessas e driblando o baixo nível que certamente mostrará a sua cara.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.