Giovana Madalosso

Escritora, roteirista e uma das idealizadoras do movimento Um Grande Dia para as Escritoras.

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Giovana Madalosso
Descrição de chapéu Todas Planeta em Transe

Os mamilos de Kim Kardashian

Apesar da preocupação com a crise climática, o sutiã é feito de materiais não-biodegradáveis e derivados do petróleo, o grande vilão do aquecimento global

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Quase caí para trás ao ver o último lançamento da linha de produtos da Kim Kardashian. Em um vídeo divulgado em seu Instagram, a modelo, vestindo uma roupa colante, com mamilos visivelmente duros, comenta que o planeta está esquentando, o nível do mar subindo e as geleiras derretendo.

"Não sou cientista mas acho que cada um pode fazer a sua parte", diz, apontando que a sua parte é a de cima: um novo modelo de sutiã que vem com mamilos falsos e duros acoplados ao enchimento.

Kim Kardashian mostra linha de produtos em seu instagram
Kim Kardashian mostra linha de produtos em seu instagram - @Kim Kardashian no instagram

"Assim, não importa o quanto esquente, seus mamilos seguirão como se estivessem geladinhos. E, ao contrário dos icebergs, não vão sumir".

Até assistir a esse comercial, eu não sabia que deveria exibir mamilos duros o dia todo. Kardashian, como uma boa filha do capitalismo, sabe criar soluções onde não há problemas. Tanto que eu já estou aqui, digitando com uma mão e estimulando meus seios com a outra, e resistindo para não entrar no mérito da opressão estética e do consumismo, já que esse lançamento apresenta outros aspectos ainda mais túrgidos para se discutir.

Mesmo que a crise do clima já esteja entre nós, com temperaturas recorde e desastres naturais, esse assunto segue, de forma geral, restrito a cientistas, ativistas e ambientalistas, quando deveria estar na boca do povo, afinal é no colo do povo que a bomba vai estourar com cada vez mais força.

Se essa questão já impacta e irá impactar a vida de bilhões de pessoas, por que não falamos a respeito na festa da firma ou no almoço de domingo? Porque a crise do clima é também uma crise de linguagem —desde os anos 1980, especialistas se batem para popularizar o assunto e mobilizar a sociedade sem tanto sucesso até hoje.

Por isso é tão excitante quando a questão climática migra da mídia especializada para o provador das lojas. Da boca dos cientistas para a boca das modelos. Das planilhas para o guarda-roupa. Ou ainda melhor: para o meio dos lençóis, deixando de ser um conteúdo hermético e sisudo para ser descomplicado e até sexy, a ponto de entrar no espaço cativante da cultura pop, trampolim necessário para que ganhe amplitude.

Kardashian acerta quando diz que "cada um deve fazer a sua parte", no sentido de dizer que esse assunto não é monopólio de ninguém, que cada um pode e deve explorá-lo nos aspectos que tangem o seu universo e o seu dia a dia. Também acerta na forma de comunicação, direta e bem-humorada, mas erra feio na concepção e na produção do produto.

O sutiã em questão é feito de nylon e Spandex: ambos não-biodegradáveis e derivados do petróleo, o grande vilão do aquecimento climático. Uma informação que faz a estratégia de marketing da influenciadora ruir como uma geleira.

Talvez, para compensar, a modelo anuncia que 10% das vendas vão para uma organização ambiental, sem deixar muito claro como será feita a compensação de carbono. Não seria pouco para quem já faz tanto dinheiro às custas de um sistema econômico que vem destruindo o planeta?

Tudo isso me cheira a um caso de nipplewashing. Quem sabe Kim Kardashian não passe de uma neoliberal achando que o mercado é capaz de regular até a temperatura da Terra. Lamento, Kim, mas, se é este o caso, seus mamilos estão duramente enganados.

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