Gustavo Alonso

Doutor em história, é autor de 'Cowboys do Asfalto: Música Sertaneja e Modernização Brasileira' e 'Simonal: Quem Não Tem Swing Morre com a Boca Cheia de Formiga'.

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Beatles encantaram nossa juventude roceira e entraram nos sertões de todo o Brasil

Série documental 'The Beatles: Get Back' traz imagens inéditas do quarteto que influenciou uma geração de artistas

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No fim de novembro será lançada uma nova série sobre os Beatles. "The Beatles: Get Back", documentário em três episódios do diretor Peter Jackson, poderá ser visto via streaming no Disney+. A série utiliza sobras das imagens gravadas em janeiro de 1969 por Michael Lindsay-Hogg durante os ensaios e as gravações do disco "Let It Be".

O filme original de Lindsay-Hogg, homônimo ao álbum, é uma alegoria do fim da banda, com brigas entre integrantes, abandonos do estúdio e a onipresença de Yoko Ono. O clima e a direção são pesados; as imagens, soturnas. A pouca vontade do quarteto em divulgar o filme o levou ao ostracismo. A nova versão de Peter Jackson, neozelandês que dirigiu a trilogia "Senhor dos Anéis", promete uma revisão do ocaso dos Beatles. As belas imagens e a animação presentes no trailer prometem.

Um filme de repercussão pode criar novos ouvintes. Em 2018, foi lançado "Bohemian Rhapsody", que conta a história do Queen e fez bastante sucesso, forjando novos públicos para a banda londrina. Talvez isso explique por que o Queen tem 35 milhões de ouvintes mensais no Spotify, enquanto os Beatles têm 10 milhões a menos. Considerando que a maior parte do público do streaming é composto por jovens, será que um novo filme sobre os Beatles conseguirá conquistar novos ouvintes?

A influência da banda de Liverpool, apesar de estar diminuindo num mundo em que as guitarras não são mais o símbolo da rebeldia e contestação juvenis, foi enorme. Inclusive no Brasil. Aqui, quando nos lembramos dos Beatles, associamos a banda a nomes como Roberto Carlos —e toda a Jovem Guarda—, Os Mutantes, Caetano, Gil, Raul Seixas, Odair José. Mas raramente aos sertanejos.

A música dos Beatles adentrou os sertões brasileiros e encantou a juventude roceira. Foi comendo as tradições caipiras por dentro e moldou a música sertaneja. A influência dos Beatles foi mais um dos ciclos de antropofagização da música rural brasileira. Os principais divulgadores do quarteto inglês foram a dupla Leo Canhoto e Robertinho, que em 1969 foi a primeira a incorporar baixo, bateria e guitarras.

Numa época em que a música sertaneja alcançava um público regional, o sucesso de Leo Canhoto & Robertinho influenciou gerações. Nos anos 1970, grupos hoje pouco lembrados como o trio Tibagi, Miltinho e Meirinho, Gilberto e Gilmar, Tony e Jerry, Scott e Smith, Ringo Black e Kid Holiday e o mais famosas deles Jacó e Jacozinho, também incorporaram o rock beatlemaníaco.

João Mineiro e Marciano, então em início de carreira em 1973, incorporaram a sonoridade beatle e as roupas e cabelos hippies.

Chitãozinho e Xororó, que então começavam sua carreira, também foram muito influenciados. Já no segundo disco da dupla, de 1972, eles eletrificaram o som e deixaram o cabelo crescer. Apesar da influência, Chitãozinho & Xororó praticamente não cantaram o repertório da banda. Caso excepcional foi a regravação de "My Sweet Lord", do repertório solo de George Harrison, no disco "Em Família", de 1997. Era um disco natalino e a música religiosa de Harrison foi traduzida para "Meu Senhor".

O rock debitário dos Beatles continuou presente nos anos 1980. No início da década, o cantor Leandro, que ainda não cantava com o irmão Leonardo, tinha uma banda chamada Os Dominantes. O repertório era basicamente Beatles, Roberto Carlos e Bee Gees.

Em 1992, no auge do sucesso, Leandro disse em entrevista à revista Playboy que, além de ser fã de Guns’n’Roses, Paralamas e Rod Stewart, seguia gostando muito dos Beatles.

Duplas como Alan e Aladin, Chrystian e Ralf e até a desconhecida Lennon e Linaldo foram debitárias das baladas de John e Paul. E aqueles que mais mostraram reconhecer essa dívida foram com certeza Zezé Di Camargo e Luciano.

No primeiro LP da dupla, de 1991, os irmãos goianos gravaram a canção "Eu Te Amo", versão de Roberto Carlos para "And I Love Her", clássico dos Beatles de 1964. A versão foi criticada pela grande imprensa. Um dos que não gostou foi um jornalista da Folha de São Paulo: "Às vezes o ritmo também é pré-rock — tanto que ‘And I Love Her’ dos Beatles vira um bolerão nas vozes de Zezé Di Camargo e Luciano".

Quatro jovens com ternos pretos acenam para fãs
Os Beatles (da esq. p/ dir.: John Lennon, George Harrison, Paul McCartney e Ringo Starr) em 7 de fevereiro de 1964 - AFP

Em 1996, Zezé e Luciano gravaram a canção "Saudades dos Beatles", uma bela homenagem ao quarteto. No DVD "Ao Vivo na Estrada", de 2004, Zezé disse ao público: "Vou cantar uma música com vocês. Posso escolher uma do meu gosto? Posso?". Em seguida, cantou "Yesterday".

Em 2006, no CD "Diferente", Zezé e Luciano gravaram a versão de Rossini Pinto para "Hey Jude". Essa canção seria regravada no disco ao vivo "Duas Horas de Sucesso", de 2009, que também incluiu uma versão instrumental de "Something", composta por George Harrison em 1969. Segundo Zezé disse na época, "todo artista sertanejo canta meio romântico graças ao Roberto Carlos, aos Beatles, a essa geração".

Na turma do sertanejo universitário há menos influências diretas, com poucas regravações dos Beatles. Um dos poucos a cantar os Beatles é Leo, que formou dupla com o irmão Victor. Já em carreira solo, Leo cantou em shows "Stand by Me", do repertório de John Lennon, e a clássica "Let It Be". É caso raro.

Estariam os Beatles sendo esquecidos pelas novas gerações? Neste ano, Marília Mendonça espantou a internet ao ultrapassar a banda em número de seguidores no Spotifiy. Também ficaram atrás de Marília medalhões do passado, como AC/DC e Michael Jackson.

O que está em jogo com o documentário "Get Back" é a memória do quarteto de Liverpool. A filmografia sobre os Beatles sempre esteve aquém do tamanho da banda. Vamos conferir se o novo filme conseguirá reanimar a juventude a ouvi-los novamente.

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