Gustavo Alonso

Doutor em história, é autor de 'Cowboys do Asfalto: Música Sertaneja e Modernização Brasileira' e 'Simonal: Quem Não Tem Swing Morre com a Boca Cheia de Formiga'.

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Como a música sertaneja esqueceu as duplas e deu espaço ao cantor solo

Desde a emergência do universitário, patrimonialismo familiar e a cordialidade fraternal parecem estar esvaziando de sentido

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Quando se pensa em dupla de cantores, parece até que tal tipo de performance é uma especificidade da música sertaneja. Não é verdade. Há duplas na MPB (Kleiton e Kledir, Sá e Guarabira), no pop (Sandy e Junior) e até no folk internacional (Simon & Garfunkel). Mas fato é que a presença da segunda voz tornou-se uma marca do sertanejo.

Zezé di Camargo e Luciano fazem show em 2011 - Adriano Vizoni/Folhapress

Parecia algo imutável. Mas hoje em dia já é possível cantar solo no gênero. Os responsáveis por mudar este cenário foram os cantores da geração do universitário, nos anos 2000.

Em outras searas da música rural, o canto solo não era incomum. Para cantores da música caipira, aquela que emula o folclore e a tradição e volta e meia reclama da hegemonia dos sertanejos, o canto solo não era tão raro.

Artistas como Mario Zan, Inezita Barroso, Renato Teixeira, Adauto Santos, Rolando Boldrin e Almir Sater se destacaram sem parceiros de voz. Mas na música sertaneja moderna era praticamente inexistente o artista que cantasse solo. Casos como o de Roberta Miranda eram a exceção que comprovava a regra. Era imprescindível um parceiro para dividir os palcos, frequentemente um irmão.

A obrigatoriedade do parceiro tornou-se um fardo para muitos sertanejos. Para poder ser identificado como um artista do gênero, abandonar o status de dupla era inviável.

Um caso exemplar aconteceu no início dos anos 1990, quando Milionário e José Rico se separaram. Se fosse hoje em dia, provavelmente José Rico, a primeira voz, conseguiria emplacar uma carreira solo, mas não foi o que aconteceu. Ele até lançou discos sozinho, mas os fãs não gostaram de vê-lo sem o tradicional parceiro.

Já seu ex-companheiro se juntou a outro músico brigado com sua dupla e criou o duo Milionário e Mathias. Tampouco conseguiram emplacar sucessos. O artista fez nova tentativa e se juntou a Robertinho, este brigado com Leo Canhoto, e criaram uma dupla que tinha tudo para ser grande, pois ambos eram egressos das principais parcerias dos anos 1970.

Mas cantar aleatoriamente com qualquer outro cantor também não era visto como algo legítimo pelo público. Era necessário uma história comum, algum tipo de verdade nesta relação. As novas parcerias e a carreira solo não deram certo e Milionário e José Rico voltaram em definitivo em 1994, até a morte de José Rico em 2015.

Outro caso exemplar de infeliz carreira solo foi o de Zezé di Camargo. O sertanejo rompeu com seu primeiro parceiro, Zazá, e tentou carreira solo em meados dos anos 1980, lançando dois discos cantando sozinho. Não convenceu. Sua carreira só estourou depois de formar dupla com seu irmão mais novo, Luciano, e de conseguir um grande hit com "É o Amor", em 1991.

A segunda voz não era apenas um suporte vocal, mas uma forma de ser visto como sertanejo de fato. A carreira em dupla consagrava a família, a amizade e as relações pessoais de longa data na performance do palco. Embora a primeira voz tivesse preponderância nos olhares do público, a carreira de um sertanejo virtuose da voz precisava obrigatoriamente do aval de alguém além dele no palco.

Até o fim dos anos 2000, o padrão era cantar em dupla. Mesmo entre o sertanejo universitário, o padrão de canto em parceria permanecia. Os artistas em evidência bem no início do movimento universitário também performavam assim, como Victor e Leo, Jorge e Mateus, João Bosco e Vinícius, Maria Cecília e Rodolfo, Cesar Menotti e Fabiano.

Foi Luan Santana o responsável por abrir a porteira da carreira individual dentro dos sertanejos universitários, com o estouro de "Meteoro" em 2009. Desde então uma infinidade de artistas se sentiram à vontade para apostar em carreiras independentes e de fato emplacar perante o público, que passou a aceitar carreiras solo.

Foi o caso de Gusttavo Lima, Michel Teló, Paula Fernandes, Cristiano Araújo, Marília Mendonça, Naiara Azevedo e tantos outros. Cantar sozinho tornou-se algo aceitável para o público e o mercado.

Sinal dos tempos. Cantar em dupla deixou de ser obrigatório na música sertaneja. Os irmãos Victor e Leo, após se separarem, não conjecturaram formar outras duplas. Ambos iniciaram carreira solo em 2018. Zezé di Camargo e Luciano, que estão "dando um tempo na carreira" desde 2019, desenvolvem projetos paralelos. Zezé lançou o disco "Voz e Violão" e Luciano gravou um de música gospel.

À medida que se modernizou, aproximando-se cada vez mais da cultura pop, o artista-indivíduo tornou-se um personagem possível na música sertaneja. Muitos ainda têm seus familiares nos bastidores. O irmão de Michel Teló, Teófilo Teló, por exemplo, cuida de sua carreira.

Mas, pelo menos no que se refere à performance no palco, a individualidade finalmente encontrou seu lugar na música sertaneja e o patrimonialismo familiar e a cordialidade fraternal parecem estar esvaziando de sentido.

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