Um aplicativo não pode ignorar as leis e a Constituição de um país. A frase anterior resume bem o tom de críticas que recebi de leitores por causa da coluna "Bloquear o Telegram é boa ideia?", em que sugeri que pode ser positivo que sites e aplicativos escapem aos controles de autoridades nacionais. Acho que esse é um tópico que vale a pena explorar melhor.
Imagine, leitor, que você é um empreendedor digital e desenvolveu um site de encontros amorosos que é utilizado no mundo inteiro. Um dia, recebe uma mensagem da Justiça sudanesa solicitando ajuda numa investigação criminal. Pedem que você revele os nomes de usuários do site que moram no Sudão e tiveram encontros com outros usuários do mesmo sexo. Pelas leis e pela Constituição do Sudão, relações homossexuais podem ser classificadas como crime. Em 2020, a sodomia deixou de ser um delito punível com a pena de morte e com chicotadas, mas ainda pode render alguns anos de cadeia a seus praticantes.
Você, dileto leitor, entregaria os nomes dos usuários ou ignoraria as leis e a Constituição de um país?
Mas o Sudão é uma nação retrógrada, se não uma ditadura plena, o que certamente não é o caso do Brasil, dirá o crítico cioso por distinções. Será? Imagine uma jovem brasileira, residente no país, que engravidou e desejava abortar. Por não saber bem como proceder, buscou orientações num site estrangeiro, tendo chegado a conversar com um profissional da instituição. Esse site deve revelar o nome da menina, se a Justiça brasileira pedir?
Eu penso que o Telegram poderia, a exemplo de outros aplicativos, tentar reduzir as "fake news" que circulam por seus canais de comunicação. No longo prazo, não é bom para uma plataforma virar refúgio dos maiores mentirosos do planeta. Mas essa é uma decisão que cabe a seus administradores. De minha parte, fico feliz em viver num mundo em que nenhum país tenha jurisdição universal.
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