Henrique Gomes

Físico, é doutor em gravidade quântica e doutorando em filosofia na Universidade Cambridge.

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Qual é a nossa perspectiva de ir morar em outro planeta?

Estudo de físicos da Nasa mostra que viagens mais rápidas que a luz pertencem à ficção científica

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Variante de Manaus, economia se deteriorando, governo inepto, escolas fechando... A situação no Brasil anda deprimente. Pois bem, para evitar falar dessas coisas, que já enchem os jornais e pesam os corações, resolvi tentar responder à pergunta que recebo mais e mais dos meus conhecidos: qual a nossa perspectiva de ir morar em outro planeta?

É bom já dizer que há dois enormes obstáculos no caminho de um êxodo, e eu não sei qual é o maior. O primeiro é achar um planeta que nos acomode bem. Anda em falta no mercado os terrenos com temperaturas suportáveis e sem gases mortíferos, diga lá com oxigênio e água.

Panorâmica de Marte produzida a partir de mosaico de imagens capturadas pelo rover Perseverance, da Nasa, em 22.fev.21 - AFP Photo/Nasa/JPL-Caltech/Handout

Mas ok, assumamos que encontramos um planeta razoável, em todos os quesitos. Só há um problema: ele está a alguns anos-luz de distância. Com tecnologias atuais levaríamos dezenas, centenas ou até mesmo milhões de anos para chegar lá. E agora?

Este é o segundo obstáculo: a galáxia pode até parecer cheia em uma noite clara, mas na verdade ela é pouco ocupada. Uma quantidade inimaginável de espaço nos separa até mesmo de planetas razoavelmente próximos.

As leis da física tem um irritante limite de velocidade que qualquer foguete do futuro teria que respeitar. A lei diz que só conseguiríamos chegar na velocidade da luz se o nosso foguete tivesse combustível infinito para gastar.

Isto porque o rendimento da energia em termos de aceleração é decrescente: quanto mais próximo um foguete estivesse da velocidade da luz (do ponto de vista daqui da Terra), mais e mais energia ele teria que gastar para acrescentar um único quilômetro por hora à sua velocidade.

Então está bom, pode pensar o leitor, melhor já ir se acostumando. Não tão depressa. Nos anos 1990, um físico mexicano, Miguel Alcubierre, propôs o que hoje chamamos de Alcubierre drive, que funcionaria mais ou menos como os hiperdrives de ficções científicas, como o do Millennium Falcon de "Guerra nas Estrelas". Ao acionarmos o hiperdrive percorremos distâncias enormes em questão de minutos, horas ou dias.

Para explicar como o Alcubierre drive funciona, precisamos de um mínimo da teoria da relatividade geral de Einstein. Esta teoria nos diz que o espaço e o tempo podem se comprimir e estender; como um tecido elástico, o espaço-tempo responde a distribuição de massa e energia se curvando —estendendo aqui, comprimindo ali.

As ondas gravitacionais —cuja recente detecção valeu um prêmio Nobel— correspondem precisamente a uma compressão e extensão rítmica do espaço e do tempo causados pela energia e massa de dois corpos pesados girando um ao redor do outro.

Para burlar a lei do rendimento decrescente de energia, e possivelmente até o limite da velocidade da luz, a idéia de Alcubierre foi que não precisávamos estar nos movendo rapidamente em relação ao espaço ao nosso redor. Bastava que conseguíssemos continuamente encolher o espaço à nossa frente e estendê-lo quando já tivessemos passado. Olhando de perto, estaríamos numa velocidade normal, mas olhando de longe, poderíamos alcançar velocidade exorbitantes.

Mas a solução de Alcubierre tinha inúmeros problemas, pois quase qualquer geometria do espaço-tempo satisfaz as equações de Einstein, contanto que tenhamos uma distribuição de massa e energia adequada. O problema com a solução de Alcubierre às equações de Einstein é que a distribuição requerida não satisfazia critérios mínimos que esperamos do tipo de corpos e energia que encontramos no nosso universo. A solução era mais um esboço que estudo rigoroso.

Há alguns anos, dois físicos do laboratório de propulsão da Nasa se propuseram a tomar a idéia incipiente de Alcubierre e criar um menu preciso de possíveis hiperdrives, inclusive explicitando o tipo e a quantidade de energia necessária para atingir diferentes velocidades, dependendo do formato da espaçonave.

Em 2020, conseguiram seus primeiros avanços, e agora no começo do ano, sua análise completa foi finalmente publicada. Trocando em miúdos: viagens mais rápidas que a luz voltaram a pertencer só à ficção científica.

Essa conclusão pode não ser a que gostaríamos de ouvir: acho que por enquanto estamos presos por aqui mesmo, com Bolsonaro e corona para nos fazer companhia. Mas eu pelo menos tomei o estudo com bastante otimismo: é o mais completo que leva a sério as limitações e os mecanismos de um foguete como o que imaginou Alcubierre.

Quem sabe um dia, daqui muitos e muitos anos, em uma galáxia distante, lembraremos da década de 2020 como o ano em que descobrimos como explorar a galáxia?

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