Ian Bremmer

Fundador e presidente do Eurasia Group, consultoria de risco político dos EUA, e colunista da revista Time.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Ian Bremmer

América Latina vive onda de indignação geral

Brasil, México e Argentina, além da Venezuela, estão com problemas na região

Grande parte da recente atenção da mídia na América Latina se concentrou na crise política e catástrofe econômica na Venezuela —e por bons motivos. É um país em que o partido dominante, que antes ganhava eleições justamente, privou o Parlamento de poder em reação a vitórias da oposição, lotou os tribunais com aliados políticos e virtualmente eliminou toda a mídia independente.

Grupos de oposição exercem pressão contra o governo somente nas ruas. A violência política custou centenas de vidas. Uma economia profundamente dependente das exportações de petróleo titubeantes, distorcida por esquemas políticos mal concebidos ao longo de anos, produziu a escassez dos mais básicos produtos de consumo, incluindo alimentos e água.

Milhares de refugiados fugiram para países vizinhos. Relatos de uma tentativa de golpe fracassada em maio envolvendo oficiais das quatro forças armadas não causam surpresa.

Apesar dos desafios que outros países da região enfrentam não serem tão severos quanto os da Venezuela, porém, está claro que o aumento dos problemas e da indignação pública se tornaram características comuns em toda a América Latina.

Na Argentina, Mauricio Macri foi eleito presidente em 2015 com a promessa de amplas reformas econômicas para reabrir a economia do país ao investimento estrangeiro e o crescimento acelerado após anos de alta inflação e isolamento financeiro.

No início, Macri tentou aplicar ajustes graduais à economia argentina, mas a falta de confiança subjacente do investidor permaneceu. Neste ano, uma corrida ao peso começou em abril depois que um aumento do rendimento do Tesouro dos EUA provocou uma liquidação nos mercados emergentes, obrigando Macri a recorrer ao Fundo Monetário Internacional (FMI).

Manifestante participa de protesto em Buenos Aires contra o acordo entre o governo argentino e o FMI
Manifestante participa de protesto em Buenos Aires contra o acordo entre o governo argentino e o FMI - Martin Acosta/Reuters

A inflação cresceu. O FMI dará a Macri alguma cobertura política para seguir reformas econômicas que imporão mais sofrimento ao público, mas é provável que ele pague um alto preço por isso, porque os eleitores o elegeram para libertar a Argentina das exigências dos credores estrangeiros. Ele enfrentará mais protestos e uma oposição reforçada. As eleições nacionais no ano que vem prometem ser extraordinariamente disputadas.

Os crescentes problemas do México culminaram agora em uma eleição importante e uma vitória arrasadora de Andrés Manuel López Obrador, o primeiro presidente de "esquerda" eleito desde os anos 1930. Essa explosão vem se formando há anos.

A corrupção pública, incluindo histórias que envolvem a família do atual presidente, Enrique Peña Nieto, ocupou os noticiários com frequência. Os assassinatos atingiram níveis recorde em todo o país, e houve violência relacionada a bandos até em regiões onde isso era incomum.

Bandidos bem armados compraram e conquistaram acesso ao controle de cidades inteiras em algumas partes do país, e os políticos os enfrentam sob seu próprio risco. Cerca de 130 políticos foram assassinados durante a campanha eleitoral deste ano.

Depois há o problemático vizinho do México ao norte. Donald Trump começou a antagonizar o México em seu primeiro discurso como candidato presidencial em 2015. Sua abordagem de confronto continuou, é claro, com a renegociação do Nafta (Tratado de Livre Comércio da América do Norte na sigla em inglês) com o México e o Canadá.

Quando ficou claro que em breve o México teria um presidente com uma nova atitude pública, mais cética em relação ao Nafta, Trump disse que as negociações sobre o acordo prosseguirão em 2019. México e Canadá, confiantes em que o partido de Trump e sua base de apoio querem que o acordo continue em vigor, não estão recuando diante da pressão de Trump.

Haverá muita incerteza política durante os cinco meses até que López Obrador assuma o cargo, e um bom volume a mais quando ele começar a mudar a política do México.

Finalmente, haverá a eleição em outubro no Brasil, país que enfrentou seu pior escândalo de corrupção e a mais profunda desaceleração econômica em décadas.

Reformas que pretendem endireitar a economia brasileira em longo prazo reduzindo os gastos do Estado tiveram pequeno progresso. Uma greve nacional recente de motoristas de caminhão paralisou o país e obrigou o governo a abandonar um plano de aumentar os preços da gasolina em reação ao aumento dos preços do petróleo.

A alta criminalidade forçou o governo a dar ao Exército o controle de grandes parte do Rio de Janeiro. Os dois candidatos presidenciais mais bem situados nas pesquisas são o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, atualmente preso, acusado de corrupção, e um deputado de direita e ex-capitão do Exército, Jair Bolsonaro, que declarou admiração pelo regime militar e a brutalidade policial. Uma pesquisa conduzida em junho descobriu que 62% dos brasileiros entre 16 e 24 anos deixariam o país se pudessem.

Todos esses países já enfrentaram crises mais profundas, mas nenhum deles parece rumar para dias mais felizes.


 

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.