Ian Bremmer

Fundador e presidente do Eurasia Group, consultoria de risco político dos EUA, e colunista da revista Time.

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Verdadeira ameaça é que ferramentas de espionagem como Pegasus virem rotina política

Com os poderes de intimidação que elas oferecem, podem ser usadas para promover regras que restrinjam a liberdade

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Uma empresa israelense chamada NSO Group criou um software de espionagem ("spyware") chamado Pegasus que dá a seus usuários a capacidade extraordinária de vigiar e roubar segredos de qualquer pessoa que tenha um smartphone.

Reportagens investigativas e materiais publicitários da NSO revelam que o Pegasus pode escutar telefonemas e mensagens de voz, rastrear a movimentação e a localização atual do proprietário do aparelho, roubar senhas e coletar emails, vídeos e histórico de navegação. Pode até ativar câmeras ou microfones no telefone alvo para captar novas imagens e fazer novas gravações.

O telefone pode ser infectado sem que seu dono o toque, e até as proteções de segurança da Apple incluídas na mais nova geração de iPhones nem sempre conseguem pegá-lo, segundo um relatório do jornal Washington Post, da Anistia Internacional e outros grupos de defesa dos cidadãos. O software supostamente visaria criminosos, terroristas e outras potenciais ameaças à sociedade.

Mas uma investigação conduzida pela Anistia e a Forbidden Stories, organização sem fins lucrativos sediada em Paris, descobriu que clientes da NSO no governo usaram o Pegasus para invadir pelo menos 37 telefones pertencentes a jornalistas e ativistas nos últimos cinco anos. O diretor da NSO, Shalev Hulio, disse estar contrariado pelo fato de que clientes de sua firma tenham feito isso, mas ele nega a acusação de que a NSO está conectada a uma lista de 50 mil alvos potenciais citados no relatório da Forbidden Stories/Anistia. A NSO admite que tem 60 clientes governamentais em 40 países.

Prédio da empresa NSO, dona do 'spyware' Pegasus, em Israel - Jack Guez - 28.ago.16/AFP

Vários desses países já encaram problemas políticos. Não causa surpresa que o governo de Israel enfrente danos à sua reputação. O NSO Group não faz parte de seus serviços de segurança estatais, mas foi fundado por antigos hackers do governo israelense que migraram para o setor privado, e suas atuais relações com os serviços de segurança do país são uma fonte de embaraços. Muitas companhias tecnológicas dos Estados Unidos enfrentam pressões de seus funcionários para recusar cooperação e contratos com firmas que abusam da privacidade pessoal e governos que permitem sua operação.

O governo da Arábia Saudita enfrenta acusações de que usou o software espião da NSO para vigiar pessoas próximas ao jornalista saudita Jamal Khashoggi, assassinado em Istambul, e a investigação oficial do crime pela Turquia. A notícia do Pegasus coloca essa história novamente nas primeiras páginas, enquanto o príncipe herdeiro Mohammed bin Salman, suspeito de sancionar o assassinato, tenta melhorar as relações com Israel. O governo saudita também é acusado de usar o Pegasus para vigiar ativistas sauditas que vivem e trabalham em outros países.

Na Índia, um surto mortal de Covid-19 já prejudicou a até então sólida posição política do primeiro-ministro Narendra Modi, e acusações de que seu governo usou o Pegasus para espionar líderes de oposição e empresariais, repórteres e diplomatas estrangeiros só vão piorar as coisas. Como a Índia se recupera economicamente e cria empregos, Modi conseguirá limitar os danos políticos, mas a desconfiança entre o governo, a oposição e líderes locais raramente esteve mais alta.

No México, a controvérsia do Pegasus alimenta as suspeitas de que o governo irá violar a privacidade de políticos de oposição e jornalistas se pensar que poderá se safar impunemente. O governo do presidente anterior, Enrique Peña Nieto, foi acusado de espionar repórteres entre 2012 e 2018. Agora parece que o atual presidente do México, Andrés Manuel López Obrador, também foi vigiado durante esse período, acusação que poderá reforçar sua popularidade em um momento em que ele ameaça se tornar um "pato manco". (Ele está hoje na segunda metade de seu mandato, não renovável pela Constituição mexicana.)

Mas a importância desta história vai além das consequências nesses países. Não podemos nos surpreender que o Pegasus e futuras versões dele, ainda mais sofisticadas, possam visar pessoas que não consideraríamos riscos à segurança pública. (A ameaça, assim como a beleza, está no olhar do observador.) Mas a velocidade com que as companhias tecnológicas se tornam atores independentes na política internacional merece nossa atenção. Os únicos interesses que essas companhias têm são os seus próprios e os de seus acionistas.

Lá Fora

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A verdadeira ameaça não é simplesmente que ditaduras possam espionar jornalistas e potenciais inimigos políticos. Essa história é muito antiga. É que, conforme as ferramentas tecnológicas ganham eficácia, podem se tornar uma parte comum da rotina política. Com os poderes de intimidação que elas oferecem, podem ser usadas não só para proteger autocratas, mas para promover novas regras e regulamentos que restrinjam a liberdade e as oportunidades, de formas em princípio corriqueiras demais para que a maioria das pessoas perceba ou se importe.

É por isso que devemos nos preocupar que o "spyware" —e seus efeitos incrementais em nossa vida e na política— continue voando fora do radar.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves 

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