Guerra na Ucrânia tem começo mortífero para as Forças Armadas de Putin

Proporção de mortos e feridos lembra a da Segunda Guerra, muito abaixo do desempenho de Exércitos modernos

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

O início da guerra na Ucrânia se mostrou muito mortífero para os invasores russos. A taxa diária de fatalidades supera a de conflitos como a primeira Guerra da Tchetchênia, e a proporção entre mortos e feridos segue o padrão da Segunda Guerra Mundial.

Essas são conclusões tiradas do único balanço oficial de baixas da guerra, cobrindo a primeira semana do conflito, que foi divulgado pelo Ministério da Defesa da Rússia na quinta passada (3).

Dado o controle de informação na guerra informativa acerca do conflito no país de Vladimir Putin, é razoável supor que os números reais possam ser maiores —embora não devam ser tão dilatados quanto as estimativas ucranianas, que colocam as baixas adversárias em quase 10 mil soldados.

Corpos de soldados russos perto do centro de Kharkiv, na Ucrânia
Corpos de soldados russos perto do centro de Kharkiv, na Ucrânia - Serguei Bobok - 28.fev.22/AFP

Usando apenas os números oficiais, Moscou perdeu 498 militares, e 1.597 ficaram feridos nos sete primeiros dias do conflito na Ucrânia, o que equivale a uma média de 71 mortes diárias.

Nos 630 dias da Primeira Guerra da Tchetchênia (1994-96), considerada o embate mais sangrento enfrentado pela Rússia após a Segunda Guerra Mundial, foram 8 mortos ao fim de cada jornada.

Naturalmente, é preciso cautela nessa comparação, pois operações militares têm fases distintas. Mas o dado chama a atenção porque há a percepção clara entre analistas de que Moscou não se arriscou muito nos primeiros dias da guerra, privilegiando ataques a longa distância, com mísseis e foguetes.

Mais perturbadora, para a Rússia, é a proporção entre mortos e feridos. Nas Forças Armadas modernas, a taxa usual mira algo como 1 morto para 10 feridos, o que retrata a qualidade do material de proteção dos soldados, os primeiros socorros no campo e a rapidez de transferência para hospitais de campanha.

Na primeira semana da campanha ucraniana, o Kremlin viu uma taxa de 1 para 3,2, o que se assemelha mais ao desempenho nas forças da então União Soviética no mais destrutivo conflito que já ocorreu no planeta, a Segunda Guerra Mundial.

Ali, a taxa de baixas do Exército Vermelho foi de 1 para 2,57 nos anos em que participou da guerra, de 1941 a 1945. Naturalmente, dada a natureza do enfrentamento com a Alemanha nazista, a escala da violência é indescritível: foram 8.668.400 militares mortos e 22.326.905 feridos, segundo um estudo considerado definitivo feito pelo Ministério da Defesa russo em 1993.

São 5.650 mortos em uniforme por dia da guerra, que colheu, somando os civis às vidas de 27 milhões de soviéticos, 40% do total de baixas do conflito. A cifra dá a medida do trauma nacional, num país em que quase 70% das famílias perderam algum familiar na guerra.

Desde que chegou ao poder, em 1999, Putin tem trabalhado a reconstrução de uma imagem nacional russa na qual a vitória sobre os nazistas é eixo central. Não por acaso, o russo insiste em dizer que sua guerra na Ucrânia passa pela ideia de "desnazificar" o vizinho. Ele exacerba a presença de elementos neonazistas nas Forças Armadas e na vida política do vizinho, mas sua afirmação de que eles controlam o governo do judeu Volodimir Zelenski não tem base.

Os números acerca das mortes militares russas vão mudar, certamente. Mas demonstram um padrão que decorre de duas coisas. Uma, a resistência ucraniana, é claro. A outra, a ideia de que os soldados entraram na guerra sem uma coordenação precisa, apesar da complexidade do ataque em múltiplas frentes.

Isso é visível nos vídeos do início da guerra, mostrando soldados em unidades pouco protegidas entrando em cidades de forma exposta. Se isso foi erro ou tática deliberada para evitar resistências prévias à ideia de invadir um país considerado irmão por muitos russos, é algo impossível de saber neste momento.

A guerra mudou de panorama, contudo, a partir de meados da semana passada, com o crescente cerco a cidades ucranianas, com uso mais intensivo de bombardeios e o início do emprego da aviação tática, notoriamente ausente até aqui. Isso traz riscos. No sábado foi confirmada a primeira perda de um avião de ataque Su-34, estrela do arsenal de Putin. Nesta segunda, foi aferida a segunda derrubada de caça do modelo. Há ainda dois relatos não verificáveis de abates semelhantes.

O desempenho russo agora demonstra uma queda ante seu conflito direto anterior, quando lutou em 2008 para subjugar a pequena Geórgia, num embate com imensas semelhanças de origem com o atual: envolvendo áreas de maioria russa no país vizinho e visando deixá-lo de fora da Otan, a aliança militar ocidental, e da União Europeia.

Naqueles cinco dias de guerra, cada jornada se encerrou com 13 russos mortos. A proporção para os feridos ficou em 1 para 4,3, um pouco pior do que aquela registrada no período de combates mais intensos da ocupação soviética do Afeganistão, de 1980 a 1985: 1 para 5, com cerca de cinco mortos por dia.

Aquela guerra na Ásia Central só acabaria em 1989, com a retirada humilhante dos invasores após dez anos. Nas duas décadas em que estiveram no mesmo Afeganistão, só para saírem derrotados com a volta do Talibã ao poder no ano passado, os EUA tiveram uma proporção de mortos/feridos de 1 para 8,6.

No engajamento mais mortal para norte-americanos no pós-guerra, o conflito no Vietnã, a taxa foi de 1 para 5,2. Na Guerra do Iraque (2003-11), um conflito que teve mais que o dobro de mortes americanas do que o do Afeganistão (4.572 ante 2.401), foi 1 para 7.

Esses dados são de fontes acadêmicas confiáveis, como o projeto Custos da Guerra, da Universidade Brown (EUA). No caso russo, o dado do Ministério da Defesa não inclui, presume-se, as baixas entre os separatistas pró-Kremlin do Donbass, no leste do país, ou integrantes da Guarda Nacional, uma unidade pretoriana que fica sob direta autoridade de Putin e é comandada por um ex-guarda-costas do presidente.

O que se sabe da guerra da Ucrânia e a invasão russa

Perguntas e respostas sobre o conflito

  1. O que quer Putin com a invasão da Ucrânia?

    A prioridade do presidente russo é evitar que a Ucrânia, ou qualquer outro país ex-soviético, entre na Otan e, de forma secundária, na União Europeia.

  2. O que a Otan tem a ver com o conflito?

    Em 2008, a aliança militar ocidental prometeu incorporar a Ucrânia e a Geórgia. Isso levou a Rússia a invadir a Geórgia meses depois e bloquear a adesão do país ao grupo.

  3. Como o Ocidente reagiu à invasão?

    Governos da Europa e dos EUA endureceram sanções contra a Rússia, enviaram armas ao Exército ucraniano e excluíram bancos russos da plataforma financeira global Swift.

  4. Como as sanções afetaram a economia da Rússia?

    O rublo caiu a mínimas históricas desde a invasão. Para conter a desvalorização da moeda, o Kremlin proibiu residente da Rússia de transferir dinheiro para o exterior.

  5. O que os russos pensam da guerra?

    Embora Putin mantenha apoio popular relevante, diversos ativistas, celebridade e até oligarcas ligados ao Kremlin criticaram a guerra, e milhares de manifestantes foram presos.

  6. Quem é Zelenski, presidente da Ucrânia alvo de Putin?

    O ator e comediante de 44 anos foi eleito líder do país após ficar famoso interpretando um presidente ucraniano em uma série de TV. Agora, lidera a resistência à invasão russa.

  7. A Ucrânia já não estava em guerra civil antes da invasão?

    Sim. Em 2014, após a queda do governo aliado do Kremlin em Kiev, Putin anexou a Crimeia e insuflou uma guerra civil no leste ucraniano que estava congelada nos últimos anos.

  8. Qual a posição do Brasil sobre o conflito?

    O presidente Jair Bolsonaro (PL) defendeu a neutralidade sobre a crise na Ucrânia. Já a diplomacia do país tem se manifestado na ONU contra a invasão pela Rússia

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.