Igor Patrick

Jornalista, mestre em Estudos da China pela Academia Yenching (Universidade de Pequim) e em Assuntos Globais pela Universidade Tsinghua

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Xi parece disposto a sacrificar economia da China em nome de suas políticas autoritárias

Enquanto essa mentalidade persistir, estímulos podem dar sobrevida ao país, mas não salvá-lo desse cenário

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Modelos econômicos e políticos à parte, duas características sempre eram lembradas quando alguém tentava explicar o bem-sucedido crescimento da China: previsibilidade e pragmatismo, ambas qualidades conquistadas (e cuidadosamente nutridas) desde a morte de Mao Tse-tung e a ascensão da era das reformas.

A despeito da óbvia barbaridade do massacre da Praça Celestial em 1989, não há dúvidas do sucesso de Deng Xiaoping ao assumir um país miserável e abri-lo para o mundo. A China vinha de uma era de perseguições políticas, traumatizada por políticas erráticas que ceifaram a vida de milhões pela fome, cercada por uma vizinha hostil que colocava em xeque sua integridade territorial. Deng ousou romper com as áreas tradicionais do Partido e resolveu… experimentar.

Pessoa em linha de produção de fábrica têxtil em Nantong, na província chinesa de Jiangsu
Pessoa em linha de produção de fábrica têxtil em Nantong, na província chinesa de Jiangsu - 14.set.23/AFP

Instaurou zonas de livre comércio no sul do país, intencionalmente distantes da capital para evitar turbulências políticas; lançou as bases para um sistema de partido único que permitisse a transição ordenada de poder e a decisão colegiada; levando a cabo promoções no serviço público tomando mérito e experiência como principais critérios; e disse que as pessoas podiam ousar sonhar com a riqueza.

Quando começou a perder poder e temeu uma mudança de curso rumo à era do purismo ideológico da Revolução Cultural, viajou para o berço das suas reformas no sul da China e sinalizou apoio da liderança para que a abertura continuasse em curso. E depois saiu de cena.

Seguiram-se Jiang Zemin, Hu Jintao e Xi Jinping, em transições menos turbulentas do que o esperado. A democracia liberal pode até ser o melhor entre os piores sistemas, como gostam de afirmar em tom anedótico alguns cientistas políticos, mas foi a centralização do poder em uma única legenda e o compromisso com políticas de Estado que deram ao mercado a segurança jurídica para começar a colocar dinheiro na China.

O capital sabia quem estava no comando —e sabia também que essas pessoas não iriam a lugar nenhum por algum tempo. Não só: o sistema político mostrou-se surpreendentemente flexível a adotar o que estivesse dando certo, independente das "credenciais vermelhas" de dado projeto ou oficial.

Corta para 2023, quando a economia não parece tão bem, e parece que temos uma reversão desses avanços. No ano passado, não houve transição de poder, e as sucessivas perseguições a setores como tecnologia, educação privada e, mais recentemente, consultorias deixam dúvidas quanto às prioridades governamentais. Além disso, agora quem ocupa os principais cargos na hierarquia comunista está sujeito a desaparecer sem mais explicações do dia para a noite.

São motivos legítimos para quem tem investimentos na reta se perguntar: o dinheiro que coloquei aqui pode sumir pois o governo assim deseja? A pessoa com quem conversei e que autorizou meu negócio terá o mesmo poder amanhã ou pode ser expurgada? E se faltar confiança e as pessoas resolverem parar de gastar?

Nesta semana, o governo chinês se animou com os resultados das vendas do varejo e da produção industrial —o primeiro setor subiu 4,6%, o segundo, 4,5%. Com o persistente pessimismo, qualquer número no azul ajuda. Mas eles sozinhos não reverterão o curso de uma economia que é mais tecnológica, sem dúvidas, mas está perdendo dinamismo.

Enfrentar esse problema exigiria contrariar políticas caras a Xi, a começar pela transparência na política. Em um Estado tão grande, também será necessário aumentar a produtividade de quem trabalha em estatais e demitir funcionários, se necessário for, eliminando cargos redundantes ou pouco eficientes.

Como o país envelhece rapidamente e a população ativa não tem tempo de pensar em construir família porque precisa ganhar o suficiente para sustentar a si mesmo, pais e avós, o momento se aproxima de mexer também no sistema previdenciário. Algo que, nós sabemos bem, nunca é uma medida popular.

Mas Xi tem outras prioridades. Em mais de uma ocasião, já demonstrou que está disposto a sacrificar crescimento em busca de uma interpretação muito pessoal de segurança nacional. Enquanto essa mentalidade persistir (e ele for poderoso demais para alguém contradizê-lo), estímulos poderão dar sobrevida, mas não resolverão a economia.

Talvez estejamos entrando na nova era chinesa, em que comemorar resultados magros mensais seja a regra e não a exceção. O mundo que se segure… e se adapte.

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