Igor Gielow

Repórter especial, foi diretor da Sucursal de Brasília da Folha. É autor de “Ariana”.

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Aliança da ala militar com centrão visa também um pós-Bolsonaro

Fatiamento da Esplanada serve para preservar poder de fardados e mitigar suspeitas sobre Mourão

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Após o primeiro turno da eleição presidencial de 2018, quando a vitória de Jair Bolsonaro deixara de ser um delírio e passou a ser tratada como surpresa inevitável, conversar com oficiais-generais sobre política trazia duas certezas ao interlocutor.

Mourão e Bolsonaro, de máscara, participam de hasteamento da bandeira no Alvorada
Mourão e Bolsonaro, de máscara, participam de hasteamento da bandeira no Alvorada - Evaristo Sá - 12.mai.2020/AFP

Primeiro, que as Forças Armadas iriam tentar se preservar, mas que participariam em peso por meio de membros da reserva para garantir o sucesso de um governo que invariavelmente seria associado a elas.

Segundo, que a presença militar seria uma vacina dupla: evitaria erros de Bolsonaro, visto por seus mais notórios apoiadores públicos como um parvo manipulável, e seria uma espécie de garantia simbólica de que a mudança nas práticas políticas pregada na campanha seria cumprida.

O centrão, afinal, não iria bolir com os granadeiros como suas encarnações passadas pelo simples fato de que eles, os granadeiros, estariam no DNA do governo.

"Tempus fugit", o tempo passa, como diria Virgílio. Corta para maio de 2020, meros 19 meses à frente daqueles dias. Nada soa mais ilusório.

Aqui estão os militares do governo, muitos deles da ativa, agora em operação aberta com o antes espezinhado centrão, apavorados com a possibilidade de a gestão Bolsonaro ir para o vinagre. Uma aliança improvável, mas que embute várias nuances.

Primeiro, a ala militar acha que deu seu golpe de morte nos ideológicos que ajudaram a transformar o Brasil numa piada internacional, com seus macaqueios do trumpismo e delírios de rede social. O caso do Ministério da Educação, do tresloucado Abraham Weintraub, é apenas o mais vistoso.

Não foi só uma importante diretoria ou todo o FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação) que serão servido ao centrão. A infiltração chegará a locais antes considerados sagrados do MEC, como a coordenação-geral de materiais didáticos da Secretaria de Educação Básica.

É o lugar onde, em tese, são escolhidas temáticas de livros didáticos. Lá estava o coronel da reserva Sebastião Vitalino, desde antes de Weintraub chegar, mas não mais, segundo o que o militar disse a conhecidos. Crê ter sido rifado em nome da tal governabilidade.

O detalhe é haver governo. Existe uma prioridade no Brasil chamada pandemia, e lá foram os militares intervir no Ministério da Saúde. Primeiro, quando Teich, o breve, ainda era ministro de direito, com um general da ativa como como ministro de fato e vários fardados em postos-chave.

Com a queda do médico, Eduardo Pazuello assumiu as funções e só nesta terça (19) colocou mais nove militares na pasta.

Bolsonaro pode até encontrar algum médico de YouTube para satisfazer suas perversões pseudocientíficas um dia, mas a pasta virou uma OM, sigla e jargão para Organização Militar, com provável espaço para os novos sócios do centrão.

O incômodo que essa condição provoca em setores do serviço ativo das Forças é conhecido, mas parece que a resistência tende a ser fútil neste momento. Bolsonaro buscou apoiou no auge de sua fragilidade, e o estrago está feito.

A julgar pela história das vezes em que os fardados assumiram funções de governo estranhas à sua formação, socorro.

Isso é muito culpa da tibieza institucional do país. Antes de Paulo Guedes materializar-se do nirvana liberal em que habitava, eram as Forças Armadas que recebiam a alcunha de Posto Ipiranga.

Foi assim desde a ascensão das GLOs, as operações cada vez mais complexas para garantir lei e ordem nessa selva. Collor, Itamar, FHC, Lula, Dilma e Temer, todos apelaram ao posto. Com Bolsonaro, chegaram a 142.

Com isso, natural que os militares considerem-se aptos a ampliar o escopo de suas ações, ainda mais quando 9 em cada 10 políticos do mundo consideram a pandemia uma guerra —ótima propaganda, mas só demonstra que eles nada entendem de conflitos.

Ampliaram tanto que resolveram se unir ao centrão. Nada errado o governo negociar com partidos, como aliás ressaltou o vice-presidente, general Hamilton Mourão, o herdeiro presumido da maçaroca.

Mas o discurso de sobrevivência da ala militar, que nunca foi um monólito, não se aplica apenas a Bolsonaro: serve de contrato de transição para uma queda do presidente nas hipóteses de afastamento pelo Supremo ou abertura de processo de impeachment.

Sob essa ótica, enquanto o drama se desenrola, o temor que Mourão e seu passado de declarações golpistas infunde ao centrão tende a ser amainado com o selo desta nova velha aliança —que preservaria o poder atual da ala militar, teoricamente, em caso de debacle. "Tempus fugit".

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