“Enquanto os homens exercem seus podres poderes”, em reuniões paralelas e negociações obscuras, a sociedade resiste. No futuro, talvez saberão explicar a cascata de erros que ainda pode custar a nossa jovem democracia. No presente, um dos maiores é tratar o combate à barbárie como uma disputa eleitoral. É muito mais que isso, é uma disputa civilizacional.
A ruptura institucional escancarou a vontade do presidente da República de decretar um estado de exceção. A ameaça inédita faz parte de uma estratégia clara de corrosão da democracia e do espaço cívico, essa esfera entre o Estado, os negócios e a família na qual cidadãos se organizam, debatem e agem para influenciar os rumos do país. É no espaço cívico que a democracia respira e se desenvolve.
Desde o início deste governo, monitoramos abusos de poder, violação de direitos civis e políticos, restrição à participação e ao engajamento, campanhas de desinformação, censura, intimidação, assédio, dentre outras ameaças. São velhas e novas estratégias de destruição das democracias.
Representantes do Executivo implementam um desmonte sistemático, subvertendo a razão de ser das instituições, com nomeações e exonerações descabidas. Sem falar de políticas públicas sem lastro em evidências ou pesquisas, baseadas na visão ideológica de um líder populista e autoritário.
A confusão sobre a vacina contra a Covid-19 para adolescentes configura apenas mais um triste capítulo. Integrantes do setor público que discordam e tentam alertar a população sobre os riscos da não vacinação são censurados e assediados.
Felizmente, líderes políticos e religiosos, empresários, artistas, acadêmicos e organizações da sociedade civil vêm reagindo por meio do debate público e da articulação com representantes dos três poderes, nos três níveis da Federação para uma defesa conjunta da democracia. Um exemplo foi conseguirmos a revogação da Lei de Segurança Nacional, um entulho ditatorial do passado, usado contra quem critica o governo.
Temos agora diante de nós a tentativa de se implementar uma polícia antiterrorismo subordinada diretamente à Presidência da República, com a prerrogativa de investigar qualquer cidadão sem transparência ou controle judicial. E ainda a fissura presidencial em proteger mentiras nas redes sociais, agora em projeto de lei.
Em reação a essa escalada antidemocrática ininterrupta, mais de 30 instituições e dezenas de influenciadores lançaram uma agenda de defesa do espaço cívico para fortalecer a democracia, preservar as liberdades fundamentais e salvaguardar a finalidade das instituições e dos mandatos. Nesta trincheira, cabem todos que querem lutar por um Brasil melhor, mais plural, seguro e democrático.
A agenda sugere, por meio de ações práticas, a participação da sociedade civil; o acesso à informação e à livre circulação de ideias; o combate à desinformação e repúdio ao discurso estigmatizante; e a retomada da finalidade democrática das instituições e do interesse público.
Precisamos ocupar o espaço cívico —o nosso espaço, e exercer a pressão democrática para superar mais esse triste capítulo de nossa história. Não temos a caneta dos tomadores de decisão nas mãos, mas temos o poder de elegê-los ou não, dentre muitas outras ações.
Podemos sempre checar a fonte antes de formar opinião e disseminar informação, participar ativamente do debate respeitoso, apoiar lideranças comprometidas com o interesse público, fiscalizar e cobrar autoridades e, finalmente, escolher com responsabilidade nossos representantes.
Juntos, em uma vigília democrática, somos mais fortes e conseguiremos (re)construir um Estado democrático de Direito sólido, em que impere o diálogo, a tolerância e o direito de discordar.
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