Ilona Szabó de Carvalho

Presidente do Instituto Igarapé, membro do Conselho de Alto Nível sobre Multilateralismo Eficaz, do Secretário-Geral. da ONU, e mestre em estudos internacionais pela Universidade de Uppsala (Suécia)

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Ilona Szabó de Carvalho
Descrição de chapéu violência

A segurança pública depende de vontade política

O problema não é recente e o Brasil adota posição errática no tema

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Lançado há 15 dias pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública, o Programa Nacional de Enfrentamento às Organizações Criminosas (Enfoc) é bem-vindo, tanto por sua urgência como pela visão integradora dos papéis dos três poderes do Estado e níveis de governo.

A urgência não se deve apenas aos episódios recentes de demonstração de força de grupos criminosos pelo país. Depois de quatro anos de descontrole de armas, de incentivo a práticas policiais violentas e ineficazes, e de expansão nacional da milícia ligada a interesses políticos, a atual situação não é uma surpresa.

Mas o problema não é recente e o Brasil adota posição errática no tema. Desarticular grupos criminosos com inteligência é uma questão de sobrevivência física, econômica e institucional do país. Não nos tornaremos um país desenvolvido se continuarmos sendo um país tão violento. Para além da questão humanitária, do ponto de vista econômico, o risco para os investimentos nos tira do mapa.

Imagem fechada de um fuzil sendo segurado por um policial e uma viatura ao fundo
Desarticular grupos criminosos com inteligência é uma questão de sobrevivência física, econômica e institucional do país - 15.mai.22/Reprodução

Por isso, é preciso estruturar e implementar o Enfoc, fortalecendo o programa com eixos complementares do Plano Nacional de Segurança Pública de 2018. Já sabemos o que fazer. As ações e resultados dos casos de sucesso no Brasil e no mundo são conhecidos. Porém, sua devida implementação depende de vontade política, de governos conduzirem o tema sem cálculos eleitorais.

O que é impensável precisa ser possível, mesmo não sendo trivial. De acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, do total de eleitores brasileiros, 9% pertencem à chamada família militar, ou seja, são integrantes ou parentes de integrantes das forças de segurança.

Para ser efetivo, qualquer plano nacional terá que promover mudanças estruturais nas forças policiais, estabelecendo um rígido sistema de controle do uso da força e da corrupção, além de enfrentar as relações espúrias entre segurança pública e privada. Sem isso, não se quebra o exercício da violência que a banda podre das polícias garante para amplas redes de crime organizado, com capilaridade nos poderes do Estado e vínculos de oportunidade com diversos tipos de criminalidade.

Aqui não se trata de indivíduos, mas de um arcabouço corrupto de segurança pública que sustenta o crescimento e consolidação das organizações criminosas, hoje no controle dos níveis de violência e territórios por todo o país.

A responsabilidade por esse enfrentamento é compartilhada. O governo federal deve promover os incentivos corretos, os Ministérios Públicos precisam exercer o papel de controle externo e os governadores têm de assumir sua responsabilidade.

O enfraquecimento de organizações criminosas passa também pela mudança na política de drogas, que precisa parar de ser tratada como uma pauta de costumes. Essa é uma agenda de saúde e de segurança. A fundamental descriminalização do uso de drogas e sua regulação responsável não pode ser mais uma peça na tensão entre o STF (Supremo Tribunal Federal) e o Congresso Nacional. Quem mais sofre com as consequências diretas do fogo cruzado são os jovens negros, que são a maioria dos acusados de tráfico de drogas.

Isso leva a um terceiro ponto que não pode ficar de fora do plano federal: o sistema penitenciário, no qual as organizações criminosas nascem, aliciam pessoas e ditam leis para os seus domínios do lado de fora. É fundamental que se cumpra a proporcionalidade das penas, a lei de execução penal, e que se dê celeridade aos julgamentos. Agir como se violações de direitos fossem normais não nos levará a outra realidade.

É urgente um pacto nacional pela segurança pública que envolva governos, sociedade e empresas numa ação coletiva para despertar a tal vontade política. Só assim vamos conseguir quebrar o poderio bélico, financeiro e territorial das organizações criminosas no Brasil.

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