Jaime Spitzcovsky

Jornalista, foi correspondente da Folha em Moscou e Pequim.

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Jaime Spitzcovsky

Kim, Deng e a paciência histórica

Pequim e Pyongyang exemplificam táticas a render dividendos geopolíticos

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Fundamental no desenho do século 21, a transferência de poder diplomático, econômico e militar do eixo transatlântico para a Ásia-Pacífico se apoia em alguns pilares históricos, entre eles a paciência fúlgida de regimes da região emergente, empenhados em garantir a sobrevivência ou em desafiar a hegemonia dos EUA. China e Coreia do Norte exemplificam a implementação de estratégias de longo prazo, a render claros dividendos geopolíticos.

Quando Kim Jong-un cumprimentou Donald Trump, com um panteão de bandeiras dos dois países como pano de fundo, o calendário em Pyongyang marcava 25 anos do início do roteiro urdido por Kim Il-sung, avô do atual ditador.

O ditador norte-coreano Kim Jong-un se encontra com o presidente dos EUA, Donald Trump, em reunião histórica na ilha de Sentosa, em Singapura
O ditador norte-coreano Kim Jong-un se encontra com o presidente dos EUA, Donald Trump, em reunião histórica na ilha de Sentosa, em Singapura - Evan Vucci - 12.jun.2018/STR/AP

Em 1993, em meio às ameaças do pós-Guerra Fria, o último bastião do stalinismo começou a etapa de canalizar o programa de mísseis e arsenal nuclear para uso como moeda de troca em eventuais negociações com Washington, voltadas a impedir a debacle da dinastia comunista.

Há exatos 40 anos, o patriarca chinês Deng Xiaoping mudava o curso da história ao maquinar o “socialismo com características chinesas”, código para batizar a alquimia de introduzir economia de mercado numa estrutura política sempre controlada pelo Partido Comunista.

Deng assumira o poder na esteira da tragédia do maoísmo e após cerca de dois séculos de decadência chinesa, quando o “Império do Meio” chegou a ser conhecido como o “homem doente da Ásia”, devido à crise social e à pobreza.

Em 1978, a China embarcou em reformas responsáveis por tirá-la do estado comatoso e guindá-la, em menos de quatro décadas, à condição de segunda maior economia do planeta. O início da decolagem se notabilizou pela industrialização acelerada, com atração de capital estrangeiro e oferta de baixos custos de produção e de mão de obra barata.

Tal foco, porém, ficou para trás. A locomotiva do avanço chinês recai sobre o consumo da ascendente classe média e do investimento em inovação e tecnologia. No 40º aniversário das mudanças denguistas, a se completar em dezembro, Pequim assombra Washington como sério competidor em patentes, invenções e aplicativos.

Kim Il-sung e Deng Xiaoping, camaradas da geração revolucionária, enveredaram por rumos diferentes nas táticas de longo prazo. O norte-coreano, apegado ao isolacionismo e à ortodoxia ideológica, desenhou caminho para impedir a desintegração do regime e a absorção pelo próspero vizinho meridional, a Coreia do Sul.

O patriarca chinês, inspirado na abertura ao mundo e na mão de ferro doméstica, teceu roteiro da recuperação de Pequim à condição de potência global.

Em ambos os casos, a paciência e a visão histórica contribuíram de forma cardinal, elementos a temperar fala atribuída ao dirigente comunista chinês, Zhou En Lai. Em 1972, durante visita de Nixon a Pequim, o número dois do regime maoísta teria dito ser “muito cedo para avaliar o impacto de Revolução Francesa de 1789”.

A versão virou clichê para descrever a profundidade histórica de lideranças da China, embora relatos posteriores tenham sustentado que Zhou se referia às turbulências de 1968 na França. O erro de tradução sobreviveu. Assim como as estratégias norte-coreana e chinesa.

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