Jaime Spitzcovsky

Jornalista, foi correspondente da Folha em Moscou e Pequim.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Jaime Spitzcovsky

Legado de Deng Xiaoping assombra 'antiglobalistas'

Reformas iniciadas por ele em 1978 abriram as portas da China ao mundo

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Imagem do líder Deng Xiaoping exibida em Shenzen, no sul da China - Wang Zhao - 8.nov.2018/AFP

Ao deslanchar as reformas chinesas, em 1978, o mandarim Deng Xiaoping não modificou apenas o destino do país mais populoso do planeta. Plasmou também o curso da história contemporânea e o cenário internacional. E são exatamente aspectos do legado denguista que os chamados “antiglobalistas” buscam, em vão, combater.

Em discurso na Assembleia Geral da ONU, no ano passado, o presidente Donald Trump disparou: “Rejeitamos a ideologia do globalismo e abraçamos a teoria do patriotismo”. 

Apóstolos da onda populista na qual surfou o mandatário norte-americano apontam como ameaça suposto plano de um “governo global”, arquitetado para sufocar expressões nacionalistas, rejeitam o multilateralismo e o cosmopolitismo e avaliam a decolagem da China como quintessência do “perigoso momento histórico”.

Os “antiglobalistas” remoem-se de medo do século 21. Testemunham o fim de uma fase histórica, responsável por, ao longo de séculos, moldar uma civilização eurocentrista, na qual o “Velho Continente” concentrava maior quinhão de poderio político, econômico e militar. Mas, nas últimas quatro décadas, o predomínio passou a se deslocar para países banhados pelo oceano Pacífico, em especial para a dupla EUA e China.

Ou seja, o principal fator transformador dos tempos atuais, do ponto de vista da balança de poder, é a ascensão de países asiáticos, em movimento com a China na condição de locomotiva, seguida, na expansão política, econômica e militar, por nações como Índia, Indonésia e Vietnã.

Embora Japão e os tigres asiáticos (Hong Kong, Coreia do Sul, Taiwan e Singapura) tenham protagonizado, entre os anos 1950 e 1970, impressionantes saltos industrializantes, coube à China, com sua pujança populacional e geográfica, desempenhar papel cardinal no processo de levar para a Ásia fatias crescentes de riqueza e de poderio.

Sob a fórmula batizada de “socialismo com características chinesas”, Deng injetou economia de mercado num cenário político sempre dominado pelo Partido Comunista. Mitigou a ortodoxia maoísta, responsável por empobrecimento e isolacionismo, para implementar, por exemplo, integração a estruturas internacionais, como Organização Mundial do Comércio e Fundo Monetário Internacional.

Ao renovar a bússola de Pequim, Deng provavelmente passou os olhos na longeva história chinesa. Deve ter escaneado as dinastias e verificado a relação entre prosperidade e cosmopolitismo. 

Nas eras Tang (618-907 DC) e Song (960-1279), a economia chinesa engordou graças a comércio intenso com mercadores a cruzar vastas e inóspitas áreas da Ásia central. Laços com o vizinho Japão também se intensificaram. 

Surgiram inventos como a pólvora. Intercâmbio cultural se expandiu. A China testemunhou então momentos de prosperidade, em contraste com a decadência vivida nos capítulos do isolacionismo, na era imperial ou na fase maoísta.

Deng, portanto, reabriu as portas da China ao mundo e contribuiu para o redesenho do cenário internacional. Com a mão de obra barata e baixos custo de produção, financiou industrialização do país, hoje empenhado em expandir setores de tecnologia e inovação.

A verdade emana dos fatos, costumava proclamar Deng (1904-1997). A ascensão de economias asiáticas, China à frente, e a desidratação de poder de países europeus, em comparação com períodos históricos recentes, correspondem a traços indeléveis do século 21. Os “antiglobalistas” podem espernear, mas não podem mudar o rumo da história.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.