A Liga Árabe, fórum diplomático com integrantes localizados das margens do asiático rio Eufrates ao africano litoral do Atlântico, ofereceu exemplo inequívoco de mudanças históricas a redesenhar o Oriente Médio.
De centro nevrálgico de articulações políticas contrárias à existência de Israel, passou a endossar iniciativas de paz e ignorou, em sua última sessão, demanda palestina por rejeição a acordos firmados na terça-feira (15) entre israelenses, emiradenses e bareinitas.
Ao longo de mais de sete décadas, a Liga Árabe funcionou como megafone de narrativas arquitetadas para descrever a criação de Israel como “principal catástrofe” do Oriente Médio no século 20 e para colocar a questão palestina como pilar central de estratégias emanadas do Cairo, epicentro geopolítico regional.
Presidentes socialistas como o egípcio Gamal Abdel Nasser e monarcas absolutistas como o saudita Faisal usavam a tônica da rejeição. Ditaduras recorriam à narrativa anti-Israel sobretudo para mobilizar suas populações com questões externas e, assim, desviar os holofotes de temas domésticos, como déficits democráticos e ineficiência econômica.
Em 1964, a Liga Árabe exemplificou a estratégia da centralidade do combate a Israel quando, no auge da Guerra Fria, seus integrantes pró-EUA e pró-URSS criaram a Organização para a Libertação da Palestina (OLP), a ser liderada por Yasser Arafat.
O fórum diplomático regional esculpiu capítulo relevante do “rejeicionismo árabe” em 1967, pouco depois da vitória israelense na Guerra dos Seis Dias. Plenário em Cartum, capital sudanesa, aprovou a fórmula dos “três nãos” a Israel, recusando “paz, reconhecimento e negociações”.
Dez anos depois, o presidente egípcio, Anuar Sadat, ousou quebrar a lógica da rejeição, desembarcou em Jerusalém e, em 1979, assinou o primeiro acordo de paz entre Israel e um país da região. A Liga Árabe puniu o Egito com suspensão, readmitindo-o apenas em 1989.
Depois da ação pacificadora de Sadat, assassinado por terroristas egípcios em 1981, ventos mudancistas voltaram a soprar no Oriente Médio de 2002. O cenário internacional se moldava sob o impacto dos ataques de 11 de setembro do ano anterior.
A Al Qaeda ameaçava também a monarquia saudita, classificando-a como “traidora”, por sua aliança militar com os EUA. Pressionado, o rei Fahd optou por solidificar laços com Washington e, em ofensiva diplomática, apresentou iniciativa de paz para o Oriente Médio.
Em Israel, a proposta saudita produziu reações diversas, pois a esquerda a saudava, enquanto a direita, no poder, a rejeitava. Mas a ação do rei Fahd já sinalizava mudanças históricas.
A chegada do século 21 evidenciou a lideranças árabes a necessidade de revisar estratégias, para enfrentar um cenário com diminuição da relevância do petróleo e a exigir diversificação de suas economias. Há ainda a ameaça de um rival regional com pretensões expansionistas, o Irã.
Israel, portanto, passou a ser visto por algumas lideranças árabes como potencial aliado na modernização econômica e na estratégia contra o regime de Teerã. Discursos anti-israelenses na Liga Árabe minguaram.
Depois da recusa do fórum diplomático a condenar o acordo de paz assinado nesta semana, Mohammad Shtayyeh, premiê da Autoridade Nacional Palestina, reclamou: “A Liga Árabe se tornou símbolo da inação árabe”.
A inércia, no entanto, aprisiona lideranças do movimento palestino, apegadas a estratégias fracassadas, responsáveis por deixar distante a ambição legítima de criação de dois Estados na região, como apontou a resolução da ONU de 1947.
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