Jaime Spitzcovsky

Jornalista, foi correspondente da Folha em Moscou e Pequim.

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Israel e Vietnã se reaproximam em novo exemplo de metamorfose geopolítica

Afastados durante Guerra Fria, países constroem aliança improvável com ações nos campos econômico e militar

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O século 21 se revela pródigo na capacidade de transformar antigos adversários em entusiasmados parceiros, com novas arquiteturas econômicas e militares substituindo a bipolaridade da Guerra Fria. Em mais um exemplo de metamorfoses geopolíticas, Vietnã e Israel constroem aliança abastecida por trocas comerciais, cooperação em tecnologia e agricultura e laços militares inimagináveis poucas décadas atrás.

Em agosto, o presidente vietnamita, Nguyen Xuan Phuc, recebeu na capital Hanói o ex-premiê israelense Ehud Barak e destacou prioridades da agenda bilateral: inovação, ciência e energia renovável. O anfitrião comunista destacou ainda a importância de iniciativas conjuntas na área de defesa.

Ao falar em segurança, o Vietnã aponta para a presença crescente, em seu radar, do poderio chinês, vizinho setentrional. Os dois países colecionam histórico de disputas fronteiriças, e as desavenças avançam sobretudo na questão de soberania em porções do mar do Sul da China, estratégico corredor para a navegação internacional.

O líder vietnamita Nguyen Xuan Phuc em abertura de evento esportivo em Hanói - Nhac Nguyen - 12.mai.22/AFP

Recentes demonstrações de força de Pequim na disputa com Taiwan alimentaram ainda mais preocupação em Hanói sobre a possibilidade de enfrentamentos bélicos no extremo oriente asiático. Pressionado pelas turbulências regionais, o Partido Comunista do Vietnã oblitera dogmas do passado e busca cooperação militar com os EUA, arqui-inimigo dos tempos da Guerra Fria.

Em 1986, o Vietnã embarcou num processo de reformas, replicando o modelo traçado pelo chinês Deng Xiaoping: abertura econômica, com monopólio do poder político nas mãos da elite comunista. Hanói passou a comandar um dos polos mais dinâmicos entre as economias asiáticas.

A revisão ideológica do PC do Vietnã proporcionou uma releitura de inserção global, remodelando também a presença no Oriente Médio. Nos tempos da ortodoxia, Hanói costumava receber visitas do líder palestino Yasser Arafat, oportunidade para a distribuição de livros sobre as táticas de guerrilha empregadas pelos vietcongues nas batalhas com os americanos.

Logo após o derretimento da Guerra Fria, Vietnã e Israel estabeleceram, em 1993, relações diplomáticas. A bússola geopolítica passava a apontar caminhos alternativos, sem as amarras do maniqueísmo da disputa entre Washington e Moscou.

Em outro sinal da intensa aproximação, diplomatas das duas nações hoje em dia negociam acordo de livre comércio, com o Vietnã de olho em exportações de seus produtos industrializados e na atração de investimentos e de tecnologias, enquanto Israel vislumbra também os ganhos com a expansão de contatos diplomáticos em áreas antes interditadas por imposições ideológicas.

Em 1946, nos primórdios dos tempos da disputa entre EUA e URSS, líderes israelense e vietnamita protagonizaram animada tertúlia, após se conhecerem, por acaso, no hotel a hospedá-los em Paris. Eram dirigentes em busca da independência de seus países: David Ben-Gurion e Ho Chi Minh.

Ho Chi Minh, em meio aos diálogos históricos, ofereceu território vietnamita para a instalação de um governo de Israel no exílio, relatou Ben-Gurion. O israelense argumentou não ser necessária a oferta, por acreditar na viabilidade da independência de seu país, ocorrida dois anos depois, em 1948.

A polarização geopolítica da Guerra Fria sabotou o acercamento entre o comunista vietnamita e o socialista israelense. Seus países, hoje, voltam a construir o diálogo iniciado em um hotel parisiense.

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