Jaime Spitzcovsky

Jornalista, foi correspondente da Folha em Moscou e Pequim.

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Descrição de chapéu China Rússia

Encontro de Deng e Gorbatchov evidenciou tendências que modelaram século 21

Xi Jinping aponta caminho do pai da perestroika como ameaça, mas demandas também vão ecoar mais forte na China

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O século 21 encontra raízes, do ponto de vista de algumas das principais tendências a moldá-lo, na histórica reunião sino-soviética em Pequim, entre 15 e 18 de maio de 1989. Naquele momento, com a flexibilização política da glasnost, Mikhail Gorbatchov, falecido na última terça-feira, aproximava-se do inevitável desmonte soviético, enquanto Deng Xiaoping desenhava os caminhos da violenta repressão aos protestos pró-democracia na praça Tiananmen.

Tratava-se de um encontro entre titãs: o maior país do mundo em território, a URSS, e o de maior população, a China. Ambos governados à época por partidos comunistas, metamorfoseados de aliados nos anos 1950 a inimigos na década seguinte, divisão provocada por competição pela liderança do chamado movimento anti-imperialista internacional e também impulsionada por extensa trajetória de disputas territoriais.

O então presidente da União Soviética, Mikhail Gorbatchov, cumprimenta o líder chinês Deng Xiaoping em encontro em Pequim em 1989 - Ed Nachtrieb - 16.mai.1989/FLS-Photo/Reuters

Proposta para ser um momento de reconciliação, a seguir a lógica do derretimento da Guerra Fria, a cúpula sino-soviética esculpiu na história momentos determinantes para percepções do Kremlin e de Zhongnanhai, sede do governo chinês.

Visões contrastantes de Gorbatchov e de Deng (1904-1997) conduziram, em 1991, à desintegração da URSS, em meio a sua maior crise econômica desde a Segunda Guerra Mundial, e à decolagem da China, alçada à condição de segundo maior PIB do planeta em 2010.

O PC Chinês deslanchou a abertura econômica em 1978 e, 11 anos depois, seu secretário-geral, Zhao Ziyang, defendia flexibilização também na esfera política. Já o primeiro-ministro Li Peng encabeçava a ala refratária a tais mudanças, apontando para o veloz desmoronamento de regimes comunistas na Europa oriental.

Deng Xiaoping, patriarca das reformas, pairava sobre os polos contrários. Enquanto se desenrolava a luta palaciana, manifestantes iniciaram, em abril de 1989, a tomada da praça Tiananmen, com demandas anticorrupção e democratizantes.

Gorbatchov desembarcou numa Pequim tensionada. Sua chegada eletrizou os protestos, a reunir dezenas de milhares de pessoas em Tiananmen. Foi cancelada a cerimônia oficial de boas-vindas na praça, endereço do Grande Palácio do Povo, cavernoso salão de recepções do governo chinês.

A 16 de maio de 1989, os líderes se reuniram. No diálogo, o anfitrião, segundo registros históricos, observou: "Posso então formular a seguinte conclusão: nossos dois países consideram necessário levar em conta suas próprias condições concretas na tarefa de construção do socialismo. Não há modelo pré-pronto de nenhum tipo".

Gorbatchov replicou: "Nisso, podemos afirmar nossa completa concordância". As trocas diplomáticas escancaravam as diferentes abordagens. O líder soviético, o primeiro a visitar Pequim em 30 anos, reuniu-se ainda com Zhao Ziyang e Li Peng antes de retornar a Moscou.

Semanas depois, sangrenta repressão militar desabou sobre a praça Tiananmen. Deng abandonou a hesitação, dobrou-se às demandas do setor linha dura e enviou a máquina militar. Zhao Ziyang, defensor do diálogo com os estudantes, viu-se em prisão domiciliar. Seu rival, Li Peng, permaneceu nas estruturas de poder até a aposentadoria, em 2002.

Antítese da opção chinesa, Gorbatchov enfatizava a democracia e subestimava a economia. O atual líder chinês, Xi Jinping, aponta o caminho do pai da perestroika como grande ameaça à manutenção do regime em Pequim. Porém, em algum momento, demandas por flexibilização política também vão ecoar mais forte na China.

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