Manchete da Folha deste domingo mostra que a população de rua aumentou 31% nos últimos dois anos durante a pandemia. Quem mora ou trabalha no centro de São Paulo como eu percebe no dia a dia o que a pesquisa comprova.
Sempre tentei entender quem são essas pessoas e os motivos que as fizeram ir parar na rua. Sem nenhuma base científica, ficou evidente nessa pesquisa informal que os moradores de rua não são um grupo homogêneo e que são muitos os fatores que provocam essa situação, mas, nesses anos todos ouvindo histórias, uma das características recorrentes nos relatos é sempre a fuga de alguma coisa.
Muitos fugiram da violência doméstica, da miséria absoluta, são filhos de pais que escaparam da seca, precisaram fugir de parentes abusivos e violentos, de situações degradantes, estupros e outras monstruosidades ou até mesmo fugir para realizar um sonho. Isso eleva os moradores de rua a categoria de refugiados dentro de seu próprio país, presos entre fronteiras invisíveis e sem chance de conseguir asilo em lugar nenhum.
Refugiados, como escreveu Bertold Brecht, são sempre mensageiros de más notícias. Sua simples existência é um recado para qualquer um que cruze seu caminho de que algo anda ruim no lugar de onde vem. Moradores de rua no Brasil são mensageiros das piores notícias que poderíamos receber, mas será que queremos ouvir?
À medida que a miséria aumenta, tenho a sensação de que as pessoas enxergam cada vez menos a população que não tem onde morar, fechando os olhos e os ouvidos para a clara mensagem que carregam. Passam por cima de seus corpos maltrapilhos na calçada como se desviassem de um saco de lixo.
Alguns heróis seguem nas ruas tentando reverter essa situação e fazendo o que deveria ser feito pelo estado. Sophia Bisilliat com o Treino na laje, Preto Zezé com a Cufa e Douglas Belchior com a Coalizão Negra por Direitos são alguns deles, mas é preciso muito mais.
As más notícias já foram dadas, estão postas, escritas em letras garrafais como uma pichação escancarada para quem quiser ver. O aumento de 31% no número de moradores de rua durante a pandemia enquanto os bilionários dobraram suas fortunas é só mais um dos tantos sinais de que estamos no caminho errado que nossos refugiados apontam. Quando der ruim de verdade, ninguém pode dizer que foi por falta de aviso.
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