João Pereira Coutinho

Escritor, doutor em ciência política pela Universidade Católica Portuguesa.

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'Amor, Sublime Amor' de Spielberg é melhor que a versão dos anos 1960

Diretor de 'Indiana Jones' sempre foi o mais musical da turma de Hollywood que revolucionou o cinema na década de 1970

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O mundo vive na angústia de saber se o "Amor, Sublime Amor" de Steven Spielberg é melhor que a versão original de 1961. Calma, gente: eu assisti ao filme de Spielberg e estou disposto a dar a minha sentença. Aqui vai: mesmo sem Natalie Wood, é melhor.

E é melhor porque falamos de cinema, não de teatro: o filme de Robert Wise mantinha ainda certas amarras formais e narrativas ao palco.

Isso vê-se nos diálogos dos personagens, nas lutas entre os Jets e os Sharks (mero prolongamento da coreografia, por mais brilhante que fosse), até nos momentos românticos entre Tony e Maria (o primeiro encontro, por exemplo, é de um artificialismo que nunca me convenceu).

O filme de Spielberg procura traduzir a peça de Arthur Laurents, Leonard Bernstein e Stephen Sondheim para uma linguagem fortemente visual e realista, sem nunca perder a beleza e a força emocional da história.

Stephen Sondheim
Stephen Sondheim, um dos maiores compositores e letristas da Broadway, autor de clássicos como 'West Side Story' e 'Sweeney Todd', que morreu em 26 de novembro de 2021 - Fred R. Conrad/The New York Times

De certa forma, Spielberg tirou as luvas e deu a "Amor, Sublime Amor" uma ferocidade urbana que o filme original não tinha.

Essa ferocidade está plasmada na sequência inicial, quando vemos a cidade como terra devastada –e os Jets a emergirem do subsolo como ratazanas entre ruínas.

No filme de Spielberg, Riff é um delinquente das ruas, não um mocinho loiro e presumido; Bernardo é um boxeur; o próprio Tony é um ex-condenado, que procura uma vida diferente, longe dos Jets.

E as personagens femininas centrais, Anita e Maria, são mulheres de carne e osso que falam, cantam e dançam como se as suas vidas dependessem disso.

De resto, as novidades introduzidas na história pelo roteirista Tony Kushner são mais modestas do que parecem –e, quando não são modestas, são acertadíssimas.

Para começar, a visão crítica do racismo e da violência policial não foi uma descoberta de Kushner (ou Spielberg). Já estava presente no musical de 1957 e no filme posterior, e em tons que me parecem bem mais brutais.

Basta recordar a figura do inspetor Schrank em 1961 –um instigador da violência, sem ambiguidades– para entender como as causas políticas do presente são mais velhas do que se imagina.

Por último, é de aplaudir a introdução de uma nova personagem, Valentina (Rita Moreno, que foi Anita na versão de 1961), verdadeira consciência moral da tragédia e personificação do destino feliz que Tony e Maria nunca terão.

Permitir que seja Valentina a cantar "Somewhere", e não o par romântico do filme, é uma escolha que tem tanto de arriscado como de prodigioso.

Steven Spielberg sempre foi o mais musical dos "raging bulls" de Hollywood –falo daquela turma da década de 1970 que nasceu para revolucionar o cinema americano. Nunca tinha filmado um musical?

Errado: filmou vários, mesmo que não fossem musicais. Em obras como "Prenda-me se For Capaz", "Hook, a Volta do Capitão Gancho" ou qualquer um dos "Indiana Jones", Spielberg sempre foi o supremo coreógrafo, usando a câmera como orquesta.

Agora, em "Amor, Sublime Amor", essa vocação cumpre-se na perfeição.

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