O que se sabe sobre minuta do golpe, central em investigação da PF contra Bolsonaro

Polícia Federal afirma que ex-presidente pediu alterações no documento que buscaria evitar a posse de Lula

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São Paulo

As investigações da Polícia Federal sugerem que pessoas do entorno do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) tentaram embasar juridicamente um golpe de Estado após a derrota nas eleições presidenciais de 2022.

Para tanto, foram elaborados decretos implementando estado de sítio, prevendo a prisão de autoridades e a realização de novas eleições.

Recém-divulgados, os depoimentos dos ex-comandantes Marco Antonio Freire Gomes (Exército) e Carlos Almeida Baptista Júnior (Aeronáutica) à Polícia Federal reforçaram essa linha de apuração.

Houve pelo menos três reuniões convocadas por Bolsonaro em que foram discutidas versões diferentes das minutas golpistas, segundo disseram os ex-chefes militares.

Em alguns dos encontros, o então ministro da Justiça, Anderson Torres, estava presente. O papel de Torres nas reuniões era dar embasamento jurídico ao teor dos decretos, segundo Baptista Júnior.

Foi com Torres que a Polícia Federal encontrou pela primeira vez uma dessas minutas golpistas, em janeiro de 2023. Investigadores agora acreditam que o documento encontrado na casa de Torres era a última versão do decreto, alterado por ordem de Bolsonaro. Torres e Bolsonaro negam autoria das minutas.

Jair Bolsonaro durante discurso na avenida Paulista, em São Paulo, neste domingo (25)
Jair Bolsonaro durante discurso na avenida Paulista, em São Paulo, neste domingo (25) - Danilo Verpa/Folhapress

Na avaliação de integrantes da Polícia Federal, o discurso de Bolsonaro no ato da avenida Paulista em fevereiro deste ano também reforça a tese de que o ex-presidente conhecia as minutas com conteúdo golpista.

"Agora o golpe é porque tem uma minuta do decreto de estado de defesa. Golpe usando a Constituição? Tenha paciência", afirmou o ex-presidente diante de seus apoiadores.

Veja o que se sabe sobre as minutas do golpe.

O que são as minutas do golpe?

As minutas são textos de decretos produzidos pelo entorno de Bolsonaro após a derrota nas eleições de 2022, com o objetivo de fundamentar juridicamente a realização de novas eleições —um golpe de Estado, na prática.

Quem esteve envolvido na elaboração das minutas?

Na decisão de busca e apreensão contra Bolsonaro, o ministro Alexandre de Moraes, do STF, citou um "núcleo jurídico" responsável pela "elaboração de decretos com fundamentação jurídica que atendessem aos interesses golpistas do grupo investigado".

O ex-assessor Filipe Martins, o ex-ministro Anderson Torres, o advogado Amauri Saad, o padre José Eduardo de Oliveira e Silva e o ex-ajudante de ordens Mauro Cid faziam parte do núcleo jurídico, segundo Moraes.

Qual era o conteúdo destas minutas?

Alegando interferência do Poder Judiciário no Executivo, versões iniciais do documento decretavam a prisão de autoridades, como os ministros do STF Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes e do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco. Previam, também, a realização de novas eleições.

A versão encontrada na casa de Anderson Torres tinha três páginas e decretava estado de defesa na sede do TSE com o "objetivo de garantir a preservação ou o pronto restabelecimento da lisura e correção do processo eleitoral presidencial do ano de 2022"

Algum documento do tipo chegou a Bolsonaro?

Bolsonaro recebeu uma minuta de golpe das mãos do ex-assessor Filipe Martins e do advogado Amauri Saad em novembro de 2022, segundo a investigação da Polícia Federal, com base no depoimento de Mauro Cid.

Ainda segundo a PF, o ex-presidente teria solicitado alterações na minuta —mantendo a previsão de novas eleições e a prisão de Moraes.

Martins teria retornado ao Palácio da Alvorada alguns dias depois, acompanhado por Saad, com o documento alterado.

Ao longo de novembro e dezembro, os registros de acesso do palácio mostram que o ex-assessor esteve ali em diversos dias, quase sempre por muitas horas, segundo decisão de Moraes.

O ex-comandante do Exército Freire Gomes também ligou Bolsonaro à minuta golpista. Ele afirmou à PF que o documento encontrado na casa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres foi apresentado por Bolsonaro aos chefes das Forças Armadas em reunião em dezembro de 2022.

O que aconteceu depois da edição da minuta?

Segundo a investigação da PF, Bolsonaro teria concordado com as alterações e convocado uma reunião com os comandantes das Forças Armadas para apresentar o documento e pressioná-los a aderir ao golpe.

No dia 7 de dezembro de 2022, ele teria se reunido com os generais Almir Garnier (Marinha) e Freire Gomes (Exército), o ex-ministro da Defesa Paulo Sérgio Nogueira, Filipe Martins, Amauri Saad e Mauro Cid.

Mensagens encaminhadas por Cid a Freire Gomes sinalizam que Bolsonaro estava ajustando o decreto e buscando o respaldo do general Estevam Theophilo, então chefe do Comando de Operações Terrestres —o que demonstraria que a tentativa de golpe estava em andamento, segundo a PF.

Theophilo teria aderido ao plano, segundo mensagens trocadas entre Cid e o coronel do Exército Bernardo Romão Correa Neto. A única condição seria que o próprio Bolsonaro assinasse o decreto.

Enquanto isso, de acordo com a Polícia Federal, um núcleo formado pelo general Augusto Heleno, ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, pelo coronel do Exército Marcelo Câmara e por Cid monitorava a movimentação de autoridades, como Alexandre de Moraes. O objetivo seria garantir a prisão do ministro, prevista na minuta.

Onde versões físicas das minutas foram encontradas?

Uma minuta foi encontrada no dia 10 de janeiro de 2023, em operação de busca e apreensão contra o ex-ministro da Justiça Anderson Torres, conforme revelou a Folha. O documento de três páginas, feito em computador, foi encontrado em um armário na residência de Torres.

Ele previa a instauração de estado de defesa na sede do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e a reversão do resultado eleitoral.

Na operação deflagrada pela PF no início de fevereiro de 2024, os agentes encontraram uma minuta na sala de Bolsonaro na sede do PL em Brasília. O documento previa declaração de estado de sítio e decretação de uma operação de GLO (Garantia da Lei e da Ordem) após a derrota nas eleições.

Como os comandantes reagiram à trama golpista?

Freire Gomes (Exército) e Baptista Júnior (Aeronáutica) teriam se posicionado contra o golpe.

Segundo Baptista Júnior, Freire Gomes comunicou que prenderia Bolsonaro caso o ex-presidente fosse adiante com o plano. Já o comandante da Marinha, Garnier Santos, teria colocado suas tropas à disposição da trama golpista.

O que diz o ex-presidente?

Bolsonaro nega envolvimento com a minuta golpista encontrada no PL. Seus advogados afirmam que foram eles os responsáveis por enviar ao ex-presidente duas minutas encontradas no celular do coronel Mauro Cid após a sua prisão, em maio de 2023. Segundo a defesa, Bolsonaro queria ficar a par da investigação e do conteúdo das minutas.

"O ex-presidente jamais participou ou mesmo conhecia tais 'minutas golpistas', delas tendo tomado conhecimento da existência só e somente por conta da apreensão do tenente coronel Mauro Cid, e a partir do acesso que lhe foi oportunizado por seu advogado constituído na investigação", diz petição protocolada na investigação.

Os advogados também afirmam que Bolsonaro não costuma ler textos no celular, em função de problemas na vista, e por isso pediu para sua assessoria imprimir o documento.

Na Paulista, Bolsonaro disse: "O que é golpe? É tanque na rua, é arma, conspiração. Nada disso foi feito no Brasil", disse. "Agora o golpe é porque tem uma minuta do decreto de estado de defesa. Golpe usando a Constituição? Tenha paciência".

Dias antes, em entrevista à CBN Recife, Bolsonaro afirmou que não existe golpe via estado de sítio —como previa o rascunho encontrado na sua sala, no PL de Brasília.

"Isso não existe. É um crime impossível de acontecer", disse. Ele afirmou que o presidente, no caso da possibilidade de instauração de um estado de sítio, deve primeiro ouvir conselhos consultivos formados pelo vice e por determinados parlamentares. E que, depois, a proposta é enviada ao Congresso. "Ou seja, não é do presidente a palavra final, é do Congresso Nacional", argumentou.

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