José Henrique Mariante

Engenheiro e jornalista, foi repórter, correspondente, editor e secretário de Redação na Folha, onde trabalha desde 1991. É ombudsman

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O golpe nas entrelinhas

Militares vão a público para reforçar os recados que a mídia não quer passar

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Saiu o relatório dos militares sobre as urnas eletrônicas. Não houve fraude, escreveu-se aqui e no exterior. "Caso encerrado", sentenciou a Folha em editorial. Faltou combinar com os que habitam quartéis e os que acampam em volta deles. Em mais uma semana de leitura dos fatos atenuada pela mídia, integrantes das Forças Armadas vieram a público pelo menos quatro vezes para reforçar os recados que querem passar: não dá para verificar se houve fraude nas eleições, as preocupações dos manifestantes vestidos de Neymar são legítimas, o Judiciário extrapola.

Na quarta-feira (9), junto com o relatório que de fato não constatou fraude, Paulo Sérgio Nogueira enviou ofício ao tribunal eleitoral no qual afirmava que ela era possível. Um código malicioso poderia ser inserido no sistema e isso não seria verificável, alegou o ministro da Defesa. Folha e O Estado de S.Paulo matizaram seus títulos em primeira versão, mas logo abandonaram qualquer ponderação. Um taxativo "não aponta fraude" prevaleceu nos dois jornais. O Globo foi pior, tratando como sujeito o TSE, que "recebeu com satisfação relatório da Defesa que não aponta fraude".

O descompasso fez Paulo Sérgio soltar nota na quinta-feira (10) para sublinhar que a possibilidade de fraude não havia sido descartada. No Estadão, Hamilton Mourão escreveu que democracia é "palavra distorcida pela grande imprensa e cerceada pelo Poder Judiciário". O senador eleito ainda se solidarizou "com o profundo sentimento de inquietação e de inconformismo que vai tomando as ruas e praças".

Na sexta-feira (11), o mesmo Estadão antecipou nota conjunta das três Forças, pela qual restrições a direitos, por parte de agentes públicos, eram tão condenáveis como excessos cometidos em manifestações. Ao noticiar o comunicado, a Folha concluiu que, ao defender a solução de controvérsias dentro do Estado democrático de Direito (as quatro linhas da Constituição?), os comandantes estavam descartando um golpe militar para anular as eleições. O jornal passou batido, no entanto, pelo primeiro parágrafo da nota, em que as Forças se dizem "sempre presentes e moderadoras nos mais importantes momentos de nossa história" (moderadoras como na interpretação equivocada do artigo 142?). Camufladas, as entrelinhas quiseram ser eloquentes.

Ilustração mostra um personagem vestido com roupa camuflada do exército. Ao lado dele, quatro balões com padrão camuflado
Carvall

Não há caso encerrado aqui, longe disso. É imperativo evidenciar a recusa dos militares em pôr uma pedra no assunto. Se o governo eleito dá razões para a mídia martelar que é preciso ser claro sobre controle fiscal, seria bom usar parte dessa indignação para alertar os quartéis que é preciso ser claro também na hora de negar golpismo. Teto é importante, mas só se existir chão.

Padrão secreto

A Folha virou notícia no começo deste mês quando sites e redes sociais mostraram que o jornal alterou título e texto de uma reportagem de serviço sobre orçamento secreto. "Saiba o que é e como funciona o orçamento secreto", publicado em 8 de setembro, virou "Saiba o que é e como funciona a emenda de relator" em 17 de outubro. A data da modificação, porém, só apareceu no texto do jornal depois que a história ganhou corpo agora em novembro. Qual história? A de que a Folha teria alterado seu padrão a partir da perspectiva de um governo Lula. Pela tese, se orçamento secreto era usado para bater em Jair Bolsonaro, emenda de relator seria um eufemismo para aliviar o noticiário para o petista.

Não ajudou o jornal ter dado uma resposta seca no Twitter: "A Folha sempre usou emendas de relator em sua cobertura noticiosa. O termo orçamento secreto é usado por colunistas de opinião". Faltou dizer que o tal texto foi alterado para se adequar ao exótico porém verdadeiro padrão vigente do jornal. Faltou explicar a razão para tamanho prurido.

Segundo a Secretaria de Redação, "orçamento secreto não é um termo preciso para classificar as emendas de relator em texto noticioso". "Esses gastos estão registrados e podem ser verificados no sistema de execução orçamentária, embora não obedeçam a critérios objetivos de distribuição." Que os leitores julguem o argumento para o veto à expressão, realmente rara em títulos da Folha como se vê na busca do site.

É forçoso constatar, no entanto, que abdicar do termo orçamento secreto, um furo do Estadão, a esta altura do campeonato, é equivalente a abrir mão de escrever rachadinha, por exemplo. Não faz sentido.

Voto secreto

Finda a festa da democracia, a Folha, em comunicado interno, avisou seus colunistas sobre alteração no verbete do Manual da Redação que os contempla. Ficam proibidos o proselitismo eleitoral e as manifestações de voto, prática que se generalizou nestas últimas eleições. Quem achar que precisa fazê-lo terá como opção publicar artigo avulso em Tendências / Debates.

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