José Manuel Diogo

Diretor da Câmara de Comércio e Indústria Luso-Brasileira, é fundador da Associação Portugal Brasil 200 anos.

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Ataque a Salman Rushdie lembra que o ódio, uma vez começado, nunca termina

Meu assunto com o autor era sempre a liberdade —e os perigos que ela enfrenta

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O maior problema com o ódio é que, depois de alguém o começar, ele nunca mais termina.

Em 2016 conheci o escritor Salman Rushdie. Estivemos juntos por três dias, apenas 72 horas, mas foram tão intensas que ficamos amigos e, desde então, regularmente, fomos trocando mensagens.

O nosso assunto era sempre a liberdade e os perigos que ela enfrenta. Essa liberdade que o fez esconder-se do ódio por causa dos "Versos Satânicos" e, também por causa deles, o fazia sentir-se livre e cidadão do mundo, na sua amada Nova York.

Foi em outubro, na vila literária de Óbidos, em Portugal, durante o festival literário Folio, que todos os anos acontece em uma das mais pitorescas localidades de Portugal, que o encontrei pela primeira vez. O escritor "maldito" era afinal um homem simples e divertido.

O escritor Salman Rushdie em retrato nos EUA - Joe Klamar - 19.abr.12/AFP

Incrédulo, fiquei mudo de espanto quando li a notícia de que o ódio tinha finalmente encontrado Josep Anton precisamente em Nova York, a cidade de que ele se considerava cidadão, na forma mais clássica e mais pura.

Josep Anton era o forçado pseudônimo no qual Salman Rushdie se escondeu da fatwa que o aiatolá Ruhollah Khomeini emitiu em 1989, quando era o líder supremo do Irã, e que mais tarde resultou no livro "Josep Anton, Uma Memória", publicado em 2012 quando já se pensava que a sombra do ódio decretado pelo aiatolá estivesse extinta.

Soube isso da boca do próprio escritor quando, em 2016, após muita insistência dos Serviços Secretos Portugueses em acompanhar de perto a sua visita a Portugal e "prover a necessária segurança", Salman me confidenciou quase em tom de brincadeira (de forma tão convincente que eu acreditei): "Não precisamos dessa gente —diga-lhes. Esse assunto [a sentença de morte] está resolvido entre o Irã e o Reino Unido há dez anos, agora é só show-off".

E assim foi. Na visita que então fizemos a Pilar del Río na Fundação Saramago, em Lisboa, "obrigou-me" a abandonar o carro no jardim de São Pedro de Alcântara e mentir aos policiais, que nos perseguiam para todo o lado em um indiscreto carro vermelho, falando que estávamos em outro lugar.

Sem dar a mínima atenção a qualquer detalhe de segurança ou mostrar alguma preocupação, Salman pediu-me para ser fotografado ao pé dos imortais escritores portugueses, cuja obra conhecia bem.

Na esplanada d'A Brasileira do Chiado, sentou-se na megafamosa estátua em que o Fernando Pessoa de bronze de Lagoa Henriques divide o banco de jardim com milhões de turistas. Depois, no café Martinho da Arcada, um centenário boteco da praça do Comércio, cruzou as pernas como no quadro de Almada, sentando na mesma mesa que está reservada para Fernando Pessoa até ao fim da eternidade.

Mas, 33 anos depois da sentença de morte que o então líder religioso do Irã lhe proferiu —mesmo sem alguma vez ter lido os versos satânicos, como seu filho confessou mais tarde ao jornal The New York Times— e quando já nada o fazia prever, um fanático anacrônico, sem qualquer sentido prático, lembrou o mundo que o ódio, uma vez começado, nunca mais termina.

O escritor Salman Rushdie ao lado de estátua de Fernando Pessoa em café de Lisboa - José-Manuel Diogo/Arquivo pessoal

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