José Manuel Diogo

Diretor da Câmara de Comércio e Indústria Luso-Brasileira, é fundador da Associação Portugal Brasil 200 anos.

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Portugal parece ter efeito apaziguador na tensão entre adeptos de Bolsonaro e Lula

Jantar mostrou por que país luso é como se fosse um antídoto para os ódios nacionais

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Em Portugal, apoiadores confessos e sonoros de Jair Bolsonaro e Luiz Inácio Lula da Silva se sentam à mesma mesa e bebem do mesmo vinho. Entre eles, a política não é tabu. O país luso parece ter um surpreendente efeito apaziguador. Os ares da "terrinha" deviam ser importados.

Com um oceano pelo meio a tensão diminui e, entre amigos, os brasileiros preferem não falar de política, mas se algum português mais incauto traz o assunto para cima da mesa, mesmo que o ambiente esfrie, ninguém perde a compostura.

Os extremos que no Brasil se odeiam, em Portugal partilham lugares, conversas, amigos —sobretudo portugueses—, mas não só. Como se o país luso e os lusitanos fossem um antídoto para os ódios nacionais. Uma espécie de cápsula protetora, confortável casulo onde vigora um permanente pacto de não agressão.

Apoiadores de Jair Bolsonaro pisam em toalha com o rosto do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em evento do candidato à reeleição em Juiz de Fora - Mauro Pimentel - 16.ago.22/AFP

Essa história aconteceu em Lisboa, num restaurante-galeria que um brasileiro elegante e com bom gosto abriu no bairro afrancesado e chique de Campo de Ourique, mas poderia acontecer em qualquer outro lugar. Vale a pena contá-la porque os protagonistas são bons tipos e o Cícero, nome de batismo do boteco homônimo do famoso pintor modernista brasileiro Cícero Dias, compõe o quadro com qualidade.

Foi um jantar com todos os condimentos. Vinho do bom. Açoriano por sinal, Terras de Lava, feito na Ilha do Pico, lugar da montanha mais alta de Portugal, mas que fica bem no meio do oceano Atlântico, praticamente a meio caminho com o Canadá.

Lembro-me bem desse vinho porque só o havia bebido uma vez há muito tempo, lá no arquipélago atlântico, e estava longe de o voltar a provar —muito menos numa mesa francesa no coração de Lisboa debaixo do olhar moderno, colorido e cintilante do mestre Cícero.

É nota de rodapé, mas vai aqui mesmo. É preciso dizer que o cardápio da "elegância à mesa" na capital lusa não pode mais ser dissociado da presença permanente de intelectuais, artistas, investidores, jornalistas famosos e muitos outros seres humanos, agradáveis e sofisticados, apóstolos de uma certa elite brasileira no exterior.

Outro condimento do jantar foram os livros. O patrão do Cícero tem uma vocação tardia mas imparável de patrono das artes literárias, e foi para conversar dessa maravilhosa lista dos 200 livros que a Folha apresentou no último Dia Mundial da Língua Portuguesa (5 de maio) que os amigos se reuniram.

Vinho, livros. Arte. Pintura. Luz e cor. Modernismo e história. Sorrisos e ideias se acompanhando em perfeita sintonia, na pauta da amizade luso-brasileira.

Eis senão quando, um dos convivas, português menos treinado nas tragicomédias do luso-brasileirismo no exílio, joga Bolsonaro no lagostim suado e Lula no atum braseado. Logo pensei —modinha de aforismo: "Afonso, querido Afonso, não vá entornar o caldo, não perca tempo, não perca, fique de bico calado".

Mas era exagero meu. Um dos convivas suspirou sorvendo um Madeira Bual muito seco e o outro nem comentou, logo elogiando uma paçoca de amêndoa.

Distraidamente, todos seguiram a conversa, elogiando a lista, a Carolina de Jesus, o Guimarães Rosa e o Davi Kopenawa, como se estivessem vendo o mundo... E ele começasse em Lisboa.

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