José Manuel Diogo

Diretor da Câmara de Comércio e Indústria Luso-Brasileira, é fundador da Associação Portugal Brasil 200 anos.

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Debate político brasileiro é insensato e representa grande oportunidade perdida

No tempo em que o mundo se reinventa, país se arrebenta numa dolorosa viagem ao passado

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Não é por acaso que o português falado no Brasil sempre prefere o condicional ao presente do indicativo. Pode? Não. Poderia... Escolhe? Não. Escolheria... Ganha? Não. Perderia.

No tempo em que o mundo se reinventa —pós-pandemia, guerra na Europa, criptomoeda, inteligência artificial, conectividade global, igualdade de gênero, sustentabilidade ou morte—, o Brasil se arrebenta numa dolorosa viagem ao passado. Tudo resumido em uma rima pobre: Lula contra Bolsonaro.

Toalhas com o rosto do presidente Jair Bolsonaro e do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva à venda em barraca de ambulante no Rio de Janeiro - Ricardo Moraes - 20.jul.22/Reuters

O que acontece hoje no panorama internacional —inflação recorde nos Estados Unidos e na Europa, aumento de juros, crise energética em todo o Ocidente (somada a uma demografia decadente), guerra da Rússia contra a Ucrânia, pandemia mal curada na China e a desregulamentação consistente nas cadeias de logística e distribuição do comércio mundial— representaria uma oportunidade de ouro para a economia brasileira, mas, tudo leva a crer, não vai ser devidamente aproveitada.

Quando o futuro oferece uma oportunidade única para criar vantagens no cenário internacional, logo nos esforçamos, dedicada, poderosa e compulsivamente por perdê-la. Seria esperado que, em um mundo em ebulição, essas condições tão vantajosas seriam fator de união nacional, mas, de repente, o contrário (sempre tão esperado) logo acontece.

A glória poderia até ficar sempre no passado, mas se ao menos isso nos desse paz lá no futuro. Mas esse poema —que em 1909 Joaquim Osório Duque-Estrada compôs e serve de letra à melodia de Francisco Manuel da Silva, e os dois de hino nacional ao Brasil— tem, infelizmente, pouco de premonitório.

E nossa energia se perde em um enorme esforço de desunião nacional. O ódio e sua apologia prevalecem. Alguém discute se a expressão "fuzilar a petralhada" é apenas tosca ou discurso de ódio e Bebel Gilberto pisa a bandeira. E sobre tais insanidades corre tinta responsável e, infelizmente, visível.

Insensatez é a palavra para definir o debate político brasileiro. Um verdadeiro deserto, com cactos e picos. Perigoso, seco e monótono. Nele, sob o pretexto de salvar o Brasil, uns se atiram como lobos contra os outros, prometendo fugir para o estrangeiro —e para sempre— se o adversário ganhar. Só o Brasil perde com isso. Talvez Portugal fique a ganhar.

Hoje, o argumento político consiste em fazer a escolha mais atávica possível. É preciso escolher um lado de onde atirar pedras e procurar nesse lugar a vantagem mais fácil. Achá-la em qualquer fragilidade, ignorância ou azar que possam surgir ao adversário. Amando o erro. Matando o enganado. Nem Freud explica.

Dá pena ver. A oportunidade perdida é grande, geracional. Podendo estar de parabéns —aniversário redondo, 200 anos, independência, oportunidade para pensar e refletir—, deixamos que o atavismo impere e nem a elite mais letrada escapa de maniqueísmos burros e improcedentes.

O debate se articula em torno do ódio, da explicação do ódio, da dissecação da explicação do ódio. O cardápio é intenso. Violento, mas inócuo. Fervoroso, mas inútil. Apaixonado, mas estéril. E sempre raso como um cabo do Exército ou uma piada de caserna.

Porque nem toda a liberdade de expressão prevalece sobre esta verdade primeira —é melhor ficar calado do que só falar besteira.

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