Imagine esse lugar. Tem princípio e meio e fim. Dele sempre se sai com mais alegria do que quando se entra, e as pessoas que lá vivem sorriem sempre, talvez porque saibam que os sorrisos foram inventados com o único propósito de saudar a quem chega.
Mas não é apenas um lugar. É um modo de vida. Um ato feito potência. Laboratório de ideias, centro de pesquisa e modelo de liberdade. Espalhado por 44 instalações no estado de São Paulo, o Sesc-SP é muito mais que um serviço assistencialista ou uma emanação corporativa. É uma marca única de civilização.
O professor Carlos Reis —que hoje partilha com Pilar del Río a gestão da fundação que gere a memória de José Saramago— era meu professor quando, há mais anos do que gosto de lembrar, eu cursava a primeira licenciatura portuguesa em jornalismo na Universidade de Coimbra, que essa história aconteceu.
Nesse tempo, Reis lecionava a disciplina de semiótica, que o conselho científico da Faculdade de Letras considerou importante fazer aprender a quem, mais tarde, teria a missão de contar nos jornais as coisas que aconteciam no mundo.
Lembro-me como se fosse hoje, quando ele se apresentou na sala de aula. Como um ator, teatralizando o gesto, colocou a palma da mão sobre um dos olhos e anunciou. "Como todos sabem, Camões foi o maior semiótico de língua portuguesa de todos os tempos."
A piada, fácil para quem compartilhava semânticas, era impossível para quem apenas escorria sintaxes. Um olho perdido na guerra pelo maior poeta de sempre da nossa língua, não o transformava, apenas pelo seu meio olhar, em perito na ciência de representar o mundo. Riu quem soube. Calou quem não leu o sumário da disciplina, de que me lembro como se fosse hoje porque começava com uma frase em latim: "aliquid stat pro aliquod", aquilo que está em vez de.
Mas aquela aproximação à semiótica destinada a jovens alunos de jornalismo não tinha por objetivo transformar-nos em especialistas na teoria geral das representações. Ela era importante para explicar aos futuros jornalistas que a linguagem com que se contam as notícias é mais poderosa que um simples código.
Roland Barthes dizia: desde toda a eternidade, a natureza do poder reside nas palavras. Porque o verdadeiro poder está em representar, em substituir e desse modo fazer imaginar.
É neste parágrafo que se encontram o antigo estudante de jornalismo, a megalópole, a semiótica e o lugar que até aqui ele julgava imaginário. Esse, com princípio, meio e fim, feito de pessoas e para elas e onde os sorrisos, ainda mais que as palavras, são verdadeiramente aquilo que está em vez de.
Aqui, a linguagem quase existe sem engano. O modelo de produção cultural do Sesc (e a alegria das pessoas que lá sorriem) são tão inspiradores que deveriam se espalhar pelo mundo inteiro.
Não pode ser o acaso que nos faz chegar aqui.
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.