Foi o bulício geral quando o presidente de Portugal foi a Brasília, no passado 7 de Setembro, para as comemorações do bicentenário da Independência e ficou assistindo, ao lado de Jair Bolsonaro e seus apoiadores, ao desfile na Esplanada dos Ministérios.
Logo muita gente —portugueses e brasileiros— se apressou a detonar o soberano luso. Não se dá ao respeito, vai servir de garoto de propaganda à campanha do incumbente, está sendo manipulado a participar em um comício. O que nem aconteceu.
Existia uma tensão no ar porque, no início de julho, por ocasião da abertura da Bienal do Livro de São Paulo, em que Portugal foi o país homenageado, Bolsonaro, de forma aparentemente deselegante, desconvidou sem aviso prévio o português para um almoço oficial.
Quando descobriu que o português se tinha encontrado com o ex-presidente Lula —então já candidato—, demarcou a agenda com pública acrimônia causando um mini-incidente diplomático, mas sem consequências mais notáveis do que a tinta então derramada nos jornais.
Falatórios à parte, um estadista —mesmo quando se engana— depressa encontra seu lugar; e logo Rebelo de Sousa se apressou a afirmar que os países e as suas relações históricas são sempre mais importantes que os homens que, em um determinado momento, os dirigem. O que é sempre verdade.
O Brasil será sempre maior que Bolsonaro, Temer, Dilma, Lula, FHC, Itamar, Collor, Sarney e por aí em diante até dom Pedro 2º; como Portugal será sempre maior que Rebelo de Sousa, Cavaco Silva, Jorge Sampaio, Mário Soares, Ramalho Eanes e por aí em diante até dom Sancho 1º.
Deixam-se de fora da lista dom Pedro 1º e dom Afonso Henriques porque foi nas suas vidas venturosas que as duas nações se fundaram, o que faz deles tão históricos (mas nem por isso mais importantes) que os seus países. O que não faltam por aí são fundadores mortos de países entretanto desaparecidos.
Pormenores à parte, para a história ficam um presidente português que veio ao Brasil três vezes; e um presidente brasileiro que nunca foi a Portugal, apesar de, logo no dia da tomada de posse (1º de janeiro de 2019), Marcelo tê-lo convidado —"Entre o final de 2019, mais provavelmente princípio de 2020, o presidente Bolsonaro irá eventualmente a Portugal", disse. Mas não foi!
Em todo o seu mandato, o presidente do Brasil não visitou nenhum país de língua portuguesa e, apenas nesta semana, quase quatro anos depois, Jair e Marcelo puderam coexistir brevemente em uma cidade europeia —que não foi Lisboa.
Os dois se deslocaram a Londres, mas para "outra" ocasião histórica: as exéquias da rainha Elizabeth 2ª.
Talvez, para Bolsonaro, uma rainha morta mereça mais atenção que um presidente vivo, mas para Rebelo de Sousa, professor de direito e constitucionalista, um chefe de Estado em exercício —seja ele qual for— tem sempre mais interesse que outro já defunto. Por mais verdadeiramente importante que o morto seja.
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.