Josimar Melo

Jornalista, crítico gastronômico, curador de conteúdo e apresentador do canal de TV Sabor & Arte

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Josimar Melo
Descrição de chapéu
férias

Barça x Madri, no campo e na mesa

Mesmo com Cristiano Ronaldo da gastronomia, a capital espanhola perde a disputa

Para além da luta histórica pela independência da Catalunha diante do governo central da Espanha, e da rixa futebolística entre as duas capitais, Barcelona e Madri poderiam também disputar uma curiosa Copa de gastronomia. Neste caso, mesmo tendo um Cristiano Ronaldo —o chef David Muñoz, do alucinante DiverXo— em suas fileiras, acho que Madri perderia a contenda.

Ok, do ponto de vista político, olho com admiração o empenho dos catalães por seus ideais. (Opa, já comprei briga com um monte de gente, gente legal inclusive.)

Ilustração com dois chefs de cozinha, um com símbolo do Real Madrid no chapéu e o outro com o do Barcelona, se olham de lado
Ilustração de Maíra Mendes para a coluna do Josimar Melo "Barça x Madri, no campo e na mesa" - Maíra Mendes/Folhapress


Quanto ao futebol, fico ali meio no muro (ou no meio do muro); o Barcelona é encantador, e ver o maluco do Messi sair despudoradamente de qualquer lugar para o gol sempre é um êxtase, embora me dê uma certa sensação de força bruta que me incomoda (o tampinha canhoto e drogado do Maradona fazendo o mesmo sempre me encantou mais).

Já no terreno madrilenho, ver Cristiano Ronaldo subir o pé dois metros para aquela bicicleta contra a Juventus me faz levantar do sofá para aplaudir. Mas não para esquecer que Pelé, contra a Bélgica em 1965, subiu à mesma altura —mesmo sendo um baixinho em relação a CR— e, comparem vídeos e fotos, embora sendo ser humano também de baixíssima estatura, mas rei em campo, foi muito mais impecável no gesto e elegante na forma —para desespero, suponho, do vaidoso metrossexual Cristiano Ronaldo.

Então saímos da política e voltamos à viagem gastronômica, para entender se Madri realmente perde. E olha que se come bem em Madri. E em toda a Espanha. Mas por insondáveis caminhos, foram justamente as regiões independentistas do País Basco e da Catalunha que ganharam com o tempo a primazia da boa mesa.

E aqui, não estamos falando de times que têm como estrelas jogadores estrangeiros (pois quem é mesmo o catalão ou espanhol que brilha no Barcelona ou no Real Madrid??). Na gastronomia, são todos do próprio solo de onde vêm os produtos, de onde veem os sabores atávicos, e onde servem sua comida.

No que toca a Barcelona, não se trata apenas da cidade, mas de toda a região, que teve o El Bulli de Ferran Adrià, em Roses (o restaurante e o chef mais importantes desta virada de século), e continua tendo o Celler de Can Roca, em Girona, como referências de boa cozinha no mundo.

Não que a cidade, Barcelona, fique hoje em dia muito para trás. Sempre sediou bons restaurantes, mas nos últimos anos explodiu com novidades, várias delas resultantes do fechamento do El Bulli, que ali despejou ex-chefs em novos restaurantes.

A começar por Albert Adrià, irmão (igualmente talentoso) do chef do El Bulli Ferran Adrià. Albert hoje está à cabeça de seis restaurantes, todos concentrados em dois quarteirões (no que passou a ser conhecido com El Barri, o bairro), e que vão do experimental Enigma a lugares mais informais como o excelente Tickets.

E também entre os restaurantes dos ex-chefs do El Bulli está o Disfrutar, de Oriol Castro, Eduard Xatruch e Mateu Casañas, donos também do Compartir, em Cadaqués (sempre na Catalunha); e o Dos Palillos, de Albert Raurich, que trabalhou 11 anos no El Bulli.

De passagem

O ambiente não é tudo, mas cá entre nós, o Rio de Janeiro, quando visto do ângulo melhor (e pouquíssimos são ruins), é capaz de nos levar a comer quase qualquer coisa. E no caso que acabo de testemunhar, coisa boa: o Xian, no topo de um shopping ao lado do aeroporto Santos Dumont, é um triplo fenômeno.

Num Rio em crise, é um sucesso quase inexplicável: gigante, em seus 3.000 metros quadrados, está sempre lotado e efervescendo. Sem nenhuma grande tradição na área, serve uma decente cozinha asiática. E com aquela vista, aquele terraço desaguando sobre a baía de Guanabara, faz a gente esquecer que para chegar lá tem que atravessar um shopping esquisito e apinhado —e estando lá, dá vontade de perder o avião.
 

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