Juca Kfouri

Jornalista, autor de “Confesso que Perdi”. É formado em ciências sociais pela USP.

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Juca Kfouri
Descrição de chapéu Copa Libertadores 2020

Abel Ferreira teve humildade de esperar River Plate para feri-lo mortalmente

A maioria dos treinadores brasileiros teria voltado para o segundo tempo com retrancas

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Ficou famosa na imprensa esportiva paulista a pergunta do repórter ao técnico Aymoré Moreira (1912-1998), do São Paulo, em 1966.

Naquele tempo, tão logo os jogos terminavam a porta do vestiário era aberta e os jornalistas tinham acesso aos jogadores, entrevistados muitas vezes embaixo do chuveiro, desculpa esfarrapada para disfarçar o machismo e explicar por que não havia mulheres na reportagem.

Aymoré, ex-goleiro da seleção brasileira, do Palestra e do Botafogo, já tinha sido campeão mundial com treinador do Brasil na Copa do Mundo de 1962, no Chile, não passava por um bom momento no São Paulo, mas acabava de vencer um clássico.

Esbaforido, o repórter entrou na roda que entrevistava o experiente comandante tricolor e perguntou: “Seu Aymoré, o São Paulo ganhou o jogo na mexida que o senhor fez ao mandar o centroavante entrar em diagonal nas costas da zaga, não foi?”.

Retrato de Aymoré Moreira, vestido de paletó e gravata, em frente a um microfone em 1956
Aymoré Moreira em 1956 - Folhapress

Sereno, Aymoré, olhou para o perguntador e limitou-se a dizer “sim, foi”.

Tão logo o repórter, feliz da vida, se afastou do burburinho para ir para o jornal escrever sua matéria, Aymoré voltou-se para os demais e, num arroubo de sinceridade e humildade, comentou: “Se eu entendesse de futebol como esse rapaz imagina eu estaria feito”.

Moral da história: depois de um jogo é fácil achar explicação para tudo, embora nem sempre seja a correta.

Raro é o treinador capaz de negar ter criado o meio pelo qual seu time se deu bem e, no caso, o que ficou registrado no jornal do dia seguinte foi a genialidade do estrategista, porque nenhuma das testemunhas da confissão dele tratou de publicá-la, solidariamente corporativistas.

Não é de hoje, portanto, que mitos são criados em torno dos professores à beira dos gramados.
Frequentemente um simples “entra lá e faz o gol da vitória pra mim” vira tacada genial do treinador.

Atribuem-se vitórias e derrotas às orientações vindas do banco sem parcimônia, invariavelmente de maneira exagerada.

A vitória do Palmeiras sobre o River Plate por 3 a 0 não fugiu à regra.

Indiscutível que o alviverde foi bem orientado pelo jovem treinador lusitano Abel Ferreira para surpreender os portenhos no primeiro erro, no primeiro contra-ataque.

E foi no primeiro erro, o do goleiro Armani, que a vitória se desenhou em Avellaneda, porque o River se surpreendeu, se irritou com a petulância, pois dominava o jogo e havia criado três chances claras para sair na frente.

“Como esses caras vêm aqui e fazem um gol na gente?”, parece que pensaram.

Pois fizeram mais um, mais dois é só não fizeram mais três, quando já tinham um jogador a mais no gramado, por detalhe.

Por detalhe, repita-se.

Porque detalhes transformam jogos em que o empate seria ótimo resultado em vitórias acachapantes.

E aí é inegável o mérito de Ferreira, que em nenhum momento do segundo tempo, já com 2 a 0 no placar, propôs que o time recuasse, ao contrário. Saiu em busca de praticamente botar o Palmeiras na final, sem contestação.

Abel gesticula em segundo plano, atrás de um jogador do River cobrando lateral
Abel Ferreira orienta o time durante a vitória sobre o River Plate na Libertadores - Juan Ignacio Roncoroni/AFP

A maioria dos treinadores brasileiros teria voltado para o segundo tempo com retrancas armadas, com defensores no lugar de atacantes, e Ferreira não mexeu no time.

Se Weverton não tivesse feito milagre aos 5 minutos de jogo e Armani não tivesse cometido o erro bizarro aos 28, tudo seria diferente, dirão alguns.

Pois Ferreira pegou o se para ele e goleou.

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