Juca Kfouri

Jornalista, autor de “Confesso que Perdi”. É formado em ciências sociais pela USP.

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Ódio eterno ao futebol moderno é ótima palavra de ordem, mas tem um porém

Óbvio romantismo tem seu lado idealista que lembra gramados enlameados e arquibancadas ruins

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Da virada do século para cá, o crescimento da importância do futebol na indústria do entretenimento no mundo globalizado –ou seria golbalizado?– tem promovido polêmicas infindáveis sobre o destino do esporte mais popular da Terra.

A mercantilização, a transformação dos clubes em empresas, a despudorada lavagem de dinheiro devido à intangibilidade dos preços nas transações de jogadores e, principalmente, a inaceitável gentrificação que exclui torcedores pobres, fez surgir a palavra de ordem que prega "ódio eterno ao futebol moderno".

E que é repetida pelo Planeta Bola afora nos 360 graus da circularidade ideológica cujos extremos, como dizia o socialista chileno Salvador Allende, "se encontram nas minhas costas".

Dono do Chelsea Roman Abramovich após ganhar a Champions League, em 29 de maio de 2021 - Michael Steele/Pool via Reuters

O óbvio romantismo da pregação tem seu lado idealista que lembra a bola de capotão, os gramados enlameados, as arquibancadas desconfortáveis, as chancas de couro, pesadas, com pregos, os uniformes virgens, sem propaganda, empapados de suor, os jogadores que permaneciam por anos a fios no mesmo clube, o amor à camisa.

Progressistas e conservadores criticam até a Lei Pelé, a que pôs fim à escravidão dos atletas que eram patrimônio do clube, itens dos balanços, móveis e utensílios das agremiações, que os mantinham vinculados mesmo depois do fim dos contratos.

Da extrema-direita à extrema-esquerda, não se percebe a diferença entre o livre-arbítrio do profissional e a situação anterior –e os empresários do futebol são tratados como se fossem novidades surgidas após a legislação libertadora.

Não são, já pontificavam, apenas com menos notoriedade e precisam mesmo ser mais bem enquadrados.

Também mal posta é a discussão em torno dos bilionários que saíram comprando clubes por aí.

Em princípio, torcedor algum quer que seu time tenha dono.

Em princípio.

Pergunte aos torcedores do Ameriquinha, ou da Portuguesa, se eles não prefeririam que os clubes da Tijuca e do Canindé tivessem um proprietário.

Ou se os do Bragantino estão infelizes com a Red Bull. Era melhor ser feudo da família Chedid?

Como se sentem hoje os torcedores do Chelsea, bicampeões europeus, que tanto protestaram contra a chegada do russo Roman Abramovich?

De fato, melhor seria não entregar os anéis e os dedos a mafiosos, a capitalistas com segundas e terceiras intenções. Existem modelos que impedem, como o adotado pelos alemães e como o idealizado pela Sociedade Anônima do Futebol, recentemente aprovada no Brasil, embora ainda diante da necessidade de derrubar os vetos do presidente da República.

O regime econômico que prevalece no mundo é o capitalista e não o tornaremos minimamente civilizado com pedradas inócuas.

Há situações em que a reforma é mais revolucionária que a ruptura e nas quais certos idealismos terminam por se mostrar reacionários, avessos às mudanças.

A Lei Pelé foi um avanço e a lei da SAF será outro se prevalecer o texto original.

E, por favor, não confunda tudo isso com mecenatos ou patrocinadoras ávidas por poder ou pelas luzes da ribalta, capazes de tratorar óbvios conflitos de interesse e de amanhã se cansar do brinquedinho.

O caminho da autossustentabilidade dos clubes passa necessariamente pelo respeito à legislação trabalhista e à adequação ao regime econômico vigente.

Depois da revolução voltaremos a conversar.

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