Juca Kfouri

Jornalista, autor de “Confesso que Perdi”. É formado em ciências sociais pela USP.

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Juca Kfouri

Quem tem medo da camisa amarela?

Como em 1970, a seleção brasileira divide opiniões entre vestir e não vestir

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A rara leitora e o raro leitor vão torcer pela seleção brasileira no Qatar?

Melhor: você tem coragem de vestir a camisa amarela da CBF?

Para torcer na Copa do Mundo, bem entendido, não para obstruir estradas ou acampar em porta de quartel, porque daí não é questão de coragem, mas de insanidade mental.

Em 1970, durante a ditadura, a dúvida se limitava à shakespeariana questão entre torcer ou não torcer.

A angústia filosófica durou só até Rivellino empatar o jogo de estreia contra a Tchecoslováquia. Da direita à esquerda, a explosão uniu todas e todos. Só não reuniu mais gente porque o uso de todes ainda não estava na moda.

Conceder à ditadura permissão até para roubar o que tínhamos de mais íntimo, surrupiar nossos afetos? Ora, já não bastava o medo de ser preso, torturado ou morto?

A angústia filosófica durou pouco na Copa do Mundo de 1970 - Divulgação

De 2013 para cá, a camisa amarela da seleção substituiu a polêmica de mais de meio século atrás e virou símbolo da extrema-direita. Aqui, ó!

Nosso PVC tratou do tema muito bem, e é preciso acabar com a confusão de quem deixou os odientos tomar de assalto o que pertence ao país, não a eles, que, lembremos, perderam no último dia 30 de outubro.

Nada contra usar a camisa azul, mas demonizar a canarinho é erro crasso, é reconhecer derrota para os derrotados.

Difícil prever o que acontecerá quando a seleção entrar em campo, curiosidade que jornais do mundo todo também compartilham, tantas são as entrevistas pedidas para tratar do tema.

Famílias que racharam em torno dos candidatos no segundo turno voltarão a se reunir para ver os jogos? Nos bares e nas ruas, como será? Estranhos se abraçarão para comemorar os gols, se gols houver?

Dá para apostar que a integração entre desconhecidos será mais fácil que a entre parentes, porque as feridas são muito recentes.

Dilma Rousseff conta que, presa no presídio Tiradentes, na chamada Torre das Donzelas, comemorou e muito a conquista do tricampeonato de Pelé e companhia, ao lado de suas companheiras num pequeno aparelho de TV, com palha de aço na antena, porque a grossura das paredes atrapalhava a qualidade da transmissão.

Se depois de ter sido barbaramente torturada ela foi capaz de superar a dor e ficar feliz com a vitória de um time expropriado pelos generais de plantão, por que não ignorar os atuais usurpadores?

Deixemos claro: quem canta o hino nacional para pneu, ou com gestos nazistas, é patriota de araque, détraqué.

Que você recuse a camisa com o distintivo da CBF é compreensível, pois nada mais surrealista que denunciar corrupção com o símbolo desmoralizado pelo trio Teixeira$Marin$Nero, os três banidos do futebol, tantos foram seus malfeitos como presidentes da entidade.

Confundi-la, porém, com o futuro ex-presidente que nos infelicitou tanto nos últimos quatro anos, jamais.

Fica aqui, portanto, o convite para começar a botar um ponto final na diabolização da camisa amarela.

Quem sabe se a Copa, termine como terminar, não será o primeiro passe para a necessária união deste Brasil tão agredido nos últimos tempos?

Se o hexacampeonato vier, então, será difícil segurar.

Se bem que, muito cá entre nós, e não espalhe por favor, a vitória brasileira absolutamente imprescindível já aconteceu e ninguém rasga.

Por mais que haja quem procure pelo em ovo, não ache, mas acha que pode achar. Patético.

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