Nesta semana que passou, aborreci-me com o debate político no Facebook e resolvi deixar a plataforma por uns dias. Em mensagem aos amigos, disse que estaria me ausentando em virtude da pouca sofisticação intelectual abraçada por pessoas que, apesar da vocação para cultura, mostravam-se insensíveis ao questionamento de suas habituais simpatias e posicionamentos —os famosos hobby horses, expressão britânica que traduz com bastante humor a tendência de todos os homens em se
deixar infantilizar pelas suas próprias paixões.
Embora esta locução tenha origem muito antiga, havendo sido utilizada já no século 16 para identificar certo tipo de montaria, mais tarde ela passou a denominar um famoso brinquedo infantil: o cavalinho de pau! Conquistou, logo em seguida, a sua definição atual para a mania ou o assunto predileto de alguém.
É neste sentido, por exemplo, que encontramos a expressão em “A Vida e as Opiniões do Cavalheiro Tristram Shandy”, do escritor anglo-irlandês Laurence Sterne, um dos livros de cabeceira do nosso querido Machado de Assis e de outras grandes personalidades literárias como Goethe, Nietzsche e Freud —autores dos quais me utilizo para refletir sobre a modernidade e a condição humana.
Adverte-nos Tristram, o narrador da história, ao descrever um encontro familiar: “Eu não preciso dizer ao leitor, se ele mantiver um cavalinho de pau [paixão] em casa —que este cavalinho é o que existe de mais terno [ou frouxo] a seu respeito”.
Desde o começo do ano eleitoral, pergunto-me todos os dias se não seria tarefa de quem afirma amor ao que há de mais elevado em nossa cultura saber reconhecer as suas limitações; permitir-se julgar os próprios valores, selecionar aquilo que impulsiona o seu progresso enquanto ser humano e descartar tudo que já se tornou nocivo, paralisante ou sem objetividade.
Acredito que um dos principais problemas da nossa sociedade está relacionado à timidez de muita gente ligada à cultura — professores, escritores, artistas e leitores — em agir como pessoas realmente cultivadas. Isto é, tanto dotadas de bom senso, de bagagem intelectual e de sensibilidade artística como de autoconhecimento.
Um vício antigo, denunciado pelo escritor pernambucano Osman Lins em um dos seus ensaios de 1976, “A Perigosa Ligação Entre Cultura e Prepotência”: “Ora, espanta e faz medo que as pessoas ligadas à cultura, e das quais, por isso mesmo, esperamos, diante de assuntos culturais, uma atitude cultural, venham engrossando as águas de correntes não culturais com os seus pronunciamentos e atitudes. Como se fossem portadoras de autoridade, e não portadoras de cultura. (...) Nossa cultura ressente-se de
várias enfermidades, e devemos lutar contra elas (...) através do debate, da discussão, de uma mudança interior, lenta, mas viva e sã. Culturalmente, afinal; e, tanto quanto possível, livremente. Nunca mediante o dirigismo, o autoritarismo e a repressão”.
Espanta-me que o desejo de tanta gente dita esclarecida —de direita ou de esquerda— seja arvorar-se de autoridade e cultivar certezas. Ora, errar, questionar-se e aprender com os próprios erros na tentativa de se conhecer melhor e finalmente conseguir ajudar o próximo é próprio dos indivíduos de cultura. A autoridade e a certeza sobre tudo aquilo que compete aos homens cabe apenas aos deuses, aos loucos e aos imbecis.
@the_stardust
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