Com a compra do Twitter, Elon Musk tem dois grandes desafios a resolver: fazer com que a plataforma seja finalmente rentável e capaz de estabelecer uma moderação de conteúdo que garanta a liberdade de expressão sem que isso alimente ainda mais a desinformação.
Entretanto, os desafios parecem ser incompatíveis, pois ao condicionar a verificação de uma conta de usuário ao pagamento de adesão de US$ 8 (R$ 43), isso inevitavelmente levaria a que qualquer usuário pudesse ser verificado e assim disseminar qualquer tipo de informação. Desta maneira, minaria a legitimidade e a influência de "conteúdos e usuários" que esta rede social alcançou.
A incerteza que a proposta de monetização gerou não é fortuita. Desde sua fundação, o Twitter conseguiu transformar a conversa política digital, já que facilitou a circulação de ideias e ações de diferentes atores sociais e políticos, entre outros, chegando a ser catalogada como a principal praça pública ou o esgoto digital do mundo.
Não obstante, esta extensa circulação de informação verdadeira e imprecisa significou que esta plataforma viu, ao mesmo tempo, a necessidade de tornar-se um árbitro do comportamento de seus usuários, desenvolvendo limites ao fluxo de conteúdo violento e desinformativo que a tem atormentado.
Até agora, a eliminação da desinformação tem sido uma tarefa quixotesca para o Twitter.
Houve duas estratégias principais de moderação de conteúdo. A primeira é a etiqueta de conteúdo ou de usuários, como acontece com os meios de comunicação afiliados a países democráticos e não democráticos como Rússia (RT, Sputnik) ou China (CGTN), entre outros. A segunda, um tanto controversa, foi a suspensão das contas de meios de comunicação, jornalistas, usuários comuns ou líderes políticos como o ex-presidente dos EUA Donald Trump por disseminar informação inexata ou conteúdo que incita à violência.
Ambas as estratégias certamente mitigaram a desinformação e a violência na conversação digital, mas não conseguiram erradicá-las.
Renovação ou estagnação
Musk deixou relativamente claro o que deseja fazer com o Twitter. Antes de tudo, quer melhorar sua funcionalidade desenvolvendo algoritmos de código aberto que permitam, entre outras coisas, erradicar bots – contas automatizadas – e autenticar todos os humanos e, assim, aumentar a confiança dos usuários. Entretanto, suas primeiras decisões se afastaram deste objetivo, pois a compra de filiação resultou em perfis que não haviam alcançado a verificação desejada a obtivessem, apesar de já terem propagado desinformação e conteúdo de ódio para minorias e partidos políticos no passado.
Como consequência desta "verificação econômica", os desinformadores e propagadores de mensagens de ódio obtiveram imediatamente mais visibilidade, o que é potencialmente perigoso. A pandemia, por exemplo, revelou que as contas sem verificação produzem mais conteúdo desinformativo e seu alcance depende do nível de coordenação para disseminá-lo. Quando uma conta verificada produz um conteúdo impreciso, seu alcance é mais nocivo.
Num relance, fica claro que a meta de aumentar a confiança nos usuários da plataforma não é uma tarefa simples e que, para acabar com a desinformação existente, a verificação de usuários não pode submeter-se simplesmente a uma rubrica econômica.
Ademais, se a proposta de verificação não conseguir contornar esta perspectiva econômica, é possível que a indústria privada de desinformação no mundo se fortaleça ainda mais, pois estes atores poderão influenciar na opinião pública a seu favor com muito mais facilidade, já que suas estratégias não se limitam ao uso de contas falsas e bots, mas também estão incursionando e sofisticando suas ações coordenadas na área de anúncios publicitários online. Desta última, Elon não mencionou muito até agora.
Tampouco mencionou sobre o acesso à API, sigla em inglês, ou Interface de Programação de Aplicações do Twitter. Este aspecto da plataforma não é tão conhecido pelos usuários comuns. Está focado em pesquisadores e desenvolvedores, e seu objetivo é facilitar o acesso à informação especializada que, entre outras coisas, permite identificar o comportamento anômalo na plataforma. Por si só, o acesso a esses dados tornou-se limitado nos últimos anos, e a única opção para acessar um conjunto significativo de dados é pagando a filiação oferecida pela plataforma, que certamente é alta e só grandes empresas de marketing digital são capazes de financiar.
O Twitter sobreviverá?
É irremediável, a praça pública digital está em crise por motivos econômicos e por tensões sobre a moderação do conteúdo. Felizmente, Elon recuou em relação à "verificação econômica", pois seus efeitos prejudiciais na propagação do discurso do ódio e da desinformação, especialmente nos Estados Unidos, se manifestaram em poucas horas.
A busca de Musk para tornar a plataforma mais confiável é razoável, mas não pode ser tomada de ânimo leve como estas e outras ações realizadas até o momento mostraram.
Como a empresa conseguirá lidar com os assuntos econômicos e de conteúdo? Essa é a incógnita que ainda precisar ser respondidda. O certo é que para sobreviver, a "verificação de usuários" nesta plataforma é um estandarte de credibilidade que deve ser mantida, pois tem sido um dos poucos escudos mais consistentes contra surtos de desinformação.
Entretanto, se o Twitter não conseguir se manter, em alguns anos veremos o surgimento de uma nova praça ou um esgoto digital como o Mastodon ou qualquer outro.
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