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O verdadeiro objetivo do acordo sobre a migração através de Darién

Plano 'move' fronteira dos EUA para impedir chegada de imigrantes

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Allison B. Wolf

Professora associada e pesquisadora do Centro de Estudos Migratórios da Universidad de los Andes, Colômbia

Em 2021, cerca de 133 mil solicitantes de asilo atravessaram a perigosa passagem de Darién para chegar aos Estados Unidos. Em 2022, a cifra quase dobrou e, neste ano, acredita-se que vá ultrapassar 400 mil. No entanto, não é o número de solicitantes de asilo que deve nos alarmar, mas o perigo que esses migrantes desesperados de Venezuela, Haiti, Equador, Cuba, Senegal, Gana, Somália, Guiné, Congo e muitos outros países devem suportar para chegar aos Estados Unidos.

O Tampão de Darién é uma zona com cerca de 100 quilômetros de comprimento e 50 quilômetros de largura entre Colômbia e Panamá, coberta por uma densa floresta tropical, montanhas escarpadas, vastos pântanos e rios, que com demasiada frequência arrastam os migrantes para a morte. Ademais, a rota é assolada por contrabandistas, ex-membros das Farc e outros criminosos que roubam, violam, assassinam, sequestram e vendem migrantes vulneráveis para redes de tráfico de pessoas.

Em resposta a essa crescente calamidade, em 11 de abril de 2023, o Departamento de Segurança Nacional dos Estados Unidos publicou uma declaração trilateral dos ministros de Relações Exteriores de Estados Unidos, Panamá e Colômbia para anunciar um plano para "abordar a grave situação humanitária no Darién". O plano de 60 dias pretende pôr fim ao movimento ilícito de pessoas e mercadorias através do Darién, abrir novas vias legais e flexíveis para migrantes e refugiados e lançar um plano com o objetivo de reduzir a pobreza, melhorar os serviços públicos, criar empregos e fomentar oportunidades econômicas e sustentáveis nas comunidades fronteiriças do norte da Colômbia e do sul do Panamá.

O anúncio foi recebido com críticas. A organização Al Otro Lado, que ajuda imigrantes nos Estados Unidos e no México, criticou a aparente falta de viabilidade do plano. A Haitian Bridge Alliance chamou-o de "assustador", porque provavelmente exigirá a militarização da fronteira colombiana e, portanto, aumentará os perigos da travessia. O plano perpetua a opressão através de uma maior externalização da política de fronteira e imigração dos EUA.

Esse é o exemplo mais recente de externalização da política de imigração desse país e a ampliação de sua fronteira para impedir que as pessoas cheguem ao seu território, onde podem solicitar asilo legalmente.

Em 2014, por exemplo, o Plano Frontera Sur foi usado para que o México pudesse deter os migrantes centro-americanos antes que chegassem à fronteira sul dos Estados Unidos.

Ademais, durante a administração Trump, foram negociados acordos com Guatemala, El Salvador e Honduras para aceitar solicitantes de asilo em direção ao norte. Os EUA também começaram a exigir que os solicitantes de asilo da América Central pedissem refúgio em um desses países ou no México antes de fazê-lo nos Estados Unidos.

O governo Trump também aplicou os Protocolos de Proteção ao Migrante, que exigem dos aspirantes a solicitar asilo no México que esperem que suas solicitações sejam adjudicadas, e ativou o Título 42, uma política de saúde pública, com o objetivo de permitir que a patrulha fronteiriça expulse os migrantes sem documentos sem necessidade de processos.

A tendência continua sob a administração Biden. Em outubro de 2022, o governo anunciou um plano que concedia 24 mil vistos humanitários a imigrantes venezuelanos e, ao mesmo tempo, desqualificava-os para solicitar asilo se não entrassem nos Estados Unidos por um ponto de entrada autorizado. Além disso, com a finalização do Título 42, que colocou pressão adicional para que o governo controle quem chega à fronteira (voltando às leis anteriores que permitem que qualquer pessoa solicite asilo em qualquer lugar do solo estadunidense), a administração Biden está mais uma vez tentando evitar que as pessoas cheguem aos EUA.

Em conclusão, essas políticas criam, refletem e perpetuam a opressão global, que ocorre quando as políticas e práticas de diferentes Estados se unem para frear processos como a migração. Em primeiro lugar, o plano para deter a migração através do Darién não é aleatório ou acidental. Ele faz parte de uma rede mais ampla de políticas e práticas destinadas a impedir que os solicitantes de asilo cheguem aos Estados Unidos.

Em segundo lugar, o plano põe os migrantes venezuelanos em uma dupla obrigação pelo simples fato de serem venezuelanos e pobres, pois, embora o governo esteja permitindo que alguns entrem pelos aeroportos, essa não é uma opção para os pobres.

Em terceiro lugar, é provável que o plano aumente os perigos enfrentados pelos solicitantes de asilo, seja porque têm de enfrentar a selva sem assistência humanitária, seja porque têm de pagar contrabandistas para levá-los por rotas que iludem os funcionários, seja porque encontrarão militares que os impedirão de entrar no Darién. Como disse o cientista político Joseph Carens: "As fronteiras têm guardas e os guardas têm armas". Nessas circunstâncias, os solicitantes de asilo enfrentam, de forma sistemática, a violência potencial de mais frentes do que nunca.

Por fim, preocupa que Colômbia e Panamá impulsionem os interesses dos Estados Unidos acima dos seus próprios. O fato de o eleitorado dos EUA ser atualmente mais xenófobo com os migrantes latino-americanos do que com outros, como os ucranianos, não implica que os países latino-americanos tenham que colaborar com os Estados Unidos para impedir sua chegada à fronteira sul.

Essas nações poderiam (e durante a maior parte da história o fizeram) simplesmente deixar esses migrantes passarem por seus países e oferecer-lhes proteção. Mas o fato de terem optado por não fazer isso reflete uma relação dominante enraizada em uma longa história de intervenção norte-americana na região.

Esse plano não busca proteger os migrantes de uma viagem incrivelmente perigosa. Portanto, continuaremos pensando em formas melhores de ajudá-los a construir o seu futuro sem repetir os padrões opressivos do passado.

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