Ministro de Lula nega disputa com Congresso e diz que Orçamento participativo está aberto a críticos

Márcio Macêdo (Secretaria-Geral) defende democracia direta e admite 'cobertor curto' para gastos

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São Paulo

O ministro Márcio Macêdo (Secretaria-Geral da Presidência) diz que o programa de Orçamento participativo que ele coordena no governo Lula (PT) respeita o papel do Congresso e que há portas abertas para propostas de todos os setores, inclusive os que apoiaram Jair Bolsonaro (PL).

"Nós viramos essa página da eleição. A maioria da população fez a opção por um projeto político no qual era promessa de campanha promover participação social. Estamos trabalhando para incluir todos que queiram ser incluídos", afirma o ministro à Folha.

Em seguida, ele diz que é bem-vinda a contribuição daqueles cidadãos e setores que tiverem compromisso com erradicação da fome no Brasil, fortalecimento da educação inclusiva e de qualidade, saúde para todos e desenvolvimento sustentável, com geração de emprego e renda.

O ministro Márcio Macêdo (Secretaria-Geral) durante plenária do orçamento participativo no plano plurianual
O ministro Márcio Macêdo (Secretaria-Geral) durante plenária do plano plurianual - Secretaria-Geral da Presidência/Divulgação

"Nas plenárias estaduais, tivemos a presença da diversidade que compõe os movimentos sociais brasileiros até o setor produtivo, com as questões do agronegócio, da indústria e do comércio. Para nós, é muito importante tentar atingir todas as matrizes ideológicas."

Macêdo encerra nesta sexta-feira (14) a agenda de viagens por todos os estados para os encontros da plataforma Brasil Participativo, criada pelo governo do PT com a intenção de receber e discutir propostas que poderão ser incorporadas ao Orçamento e ao plano plurianual (PPA) 2024-2027.

A edição presencial na capital paulista deve reunir nove ministros do governo, incluindo Simone Tebet (Planejamento), que atua em dobradinha com Macêdo à frente da iniciativa.

Os eventos têm sido vistos por movimentos sociais que apoiaram a eleição de Lula como um retorno à cena política após o que qualificam como anos de silenciamento e perseguição, sob Bolsonaro e Michel Temer (MDB). Macêdo nega, contudo, se tratar de algo restrito a uma bolha.

"O Brasil vinha de seis anos de interdição da participação social, em especial nos últimos quatro anos, com criminalização dos movimentos. Com Lula, o Brasil está vivendo a reabertura dos canais institucionais de participação e o fortalecimento da democracia", diz.

Segundo ele, a presença mais significativa do segmento organizado era previsível, porque os grupos "estavam amordaçados e agora têm a chance de falar", mas setores religiosos, empresariais e rurais que se distanciaram de Lula na eleição foram chamados e participaram de encontros.

O ministro também destacou a presença de políticos de oposição, inclusive governadores. "E teve críticas ao governo também, o que é natural", emenda.

"O que mais me impressionou nesse processo foram as pessoas falando da oportunidade de dar a sua contribuição, na linha de 'eu existo, não sou invisível, quero ajudar o meu país, e o meu país está me ouvindo'. Esse sentimento de pertencimento, de participação e de democracia tem sido muito forte."

De acordo com a pasta, o processo da Brasil Participativo envolveu até aqui 1 milhão de pessoas, com número equivalente de votos nas propostas que concorrem para serem definidas como prioritárias no planejamento orçamentário. Foram recebidas mais de 6.800 sugestões até esta semana.

Macêdo conta que agentes públicos de outros países procuraram o governo para entender e eventualmente replicar "uma experiência tão grandiosa e inédita" quanto essa.

"Estamos recuperando a democracia direta no país. A população está colocando as suas impressões digitais no planejamento do governo", afirma ele, que exalta essa interlocução como uma forma de melhorar o diagnóstico dos problemas e diminuir a possibilidade de erros do governo.

"Eu não acredito em democracia pela metade, mas na democracia por inteiro, respeitando as duas vertentes. A democracia representativa cumpre um papel fundamental, com a harmonia entre os Poderes, e a direta traz a participação do povo, expressando suas dores, necessidades e desejos."

Macêdo diz ainda que não vê o povo como problema, mas como solução. "Os setores mais conservadores que namoram o fascismo, no fundo, não gostam da presença do povo na definição dos destinos do país. É como se fosse uma massa de manobra para os interesses das classes dominantes."

Na prática, as sugestões colhidas pela plataforma precisam de uma série de carimbos para serem aceitas. Primeiro, os pontos são discutidos pelo ministério da respectiva área temática, que decide se vai ou não inclui-los na previsão de gastos e prioridades do ano seguinte.

O segundo filtro que as ideias precisam atravessar é o do Congresso, que tem o poder de mudar o texto antes de votá-lo. Por fim, a efetivação das propostas dependerá das ações do próprio governo.

"Não tem nenhuma incongruência, divergência ou disputa entre o que nós estamos fazendo e o papel do Congresso Nacional, que está garantido na Constituição. O que acontece é que o presidente está ouvindo o povo em vez de escutar só seus ministros e técnicos", diz Macêdo.

Segundo ele, propostas que ficarem de fora do Orçamento poderão ser aproveitadas pelos ministérios de outras formas, se as equipes acharem pertinente. O Congresso também ficará ciente sobre demandas e urgências derivadas da participação popular, mas eventualmente excluídas do texto.

"É óbvio que não se contempla tudo ao mesmo tempo, porque o cobertor é curto, né? Você tem um limite de incidência do Orçamento. Não vai resolver tudo que sair de lá [plataforma], mas as prioridades vão ser incorporadas e outras vão estar nos ministérios para serem feitas ao longo dos quatro anos."

Macêdo minimiza o risco de que todo o esforço acabe invalidado pela execução orçamentária via emendas parlamentares, instrumento que o governo tem usado para cimentar uma base de apoio.

Na campanha, Lula repetia um jogo de palavras, dizendo que combateria o Orçamento secreto com o Orçamento participativo. As emendas de relator eram citadas por ele para atacar Bolsonaro.

Segundo o ministro, o atual governo trabalha para conjugar as demandas populares com as emendas a serem indicadas por deputados e senadores. Macêdo diz que medidas apadrinhadas pelos congressistas deverão estar em sintonia com os projetos mais importantes listados no PPA.

"Tem pontos de interseção. O ponto de conflito seria se tivesse emenda secreta, que não tem mais. Tem emendas que estarão para ser executadas dentro das prioridades estratégicas do governo."

Desde que assumiu a pasta, em janeiro, Macêdo tem trabalhado pela recriação de conselhos consultivos e outros órgãos de assessoramento do governo compostos por membros da sociedade. Conferências sobre temas específicos têm sido retomadas, para debater questões como saúde, emprego e fome.


Como é o Orçamento participativo proposto por Lula

  • O governo lançou a plataforma digital Brasil Participativo, que desde abril recebe sugestões para o Plano Plurianual (PPA), que estabelece as diretrizes e prioridades para a elaboração do Orçamento da União
  • Também estão sendo realizados fóruns nacionais e plenárias presenciais em todos os 26 estados e no Distrito Federal. A última plenária será nesta sexta-feira (14) em São Paulo
  • O governo estendeu o prazo para recebimento de sugestões até domingo (16), às 22h. Os usuários também podem votar nas prioridades que consideram para o país nos próximos quatro anos
  • As contribuições serão consolidadas pelo governo federal e sistematizadas para integrar a Lei do PPA, que deve ser enviada até 31 de agosto ao Congresso, que pode mudar o texto antes de votá-lo
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