Laura Müller Machado

Mestre em Economia Aplicada pela USP, é professora do Insper e foi secretária de Desenvolvimento Social do Estado de São Paulo

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Idosos compartilham no máximo 1% da renda com crianças

Argumento de que alta transferência de recursos da União para idosos se justifica porque eles repassam às crianças não se sustenta nos dados

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É dever constitucional das famílias, da sociedade e do Estado garantir o direito de menores com prioridade, sejam crianças, adolescentes ou jovens. Diante dessa responsabilidade, é necessário pensar o uso de recursos públicos que garanta essa priorização.

É natural imaginar que a garantia dos direitos dos mais idosos custe mais que a da juventude. Os gastos com a saúde, por exemplo, diferem de forma significativa. Fica a pergunta: sem ferir a prioridade que lhes é de direito, para cada real dado ao cuidado da juventude, quanto deveríamos alocar no cuidado com a população mais velha?

Criança do ensino fundamental em balanço de colégio em São Paulo
Criança do ensino fundamental em balanço de colégio em São Paulo - Eduardo Knapp/Folhapress

A comparação com a prática internacional pode nos ajudar a ter referências, como já escrevi em outro texto. O Brasil destoa bastante da média mundial na razão entre o benefício público alocado aos mais idosos, com mais de 60 anos, e aos mais jovens, de 0 a 19 anos. Dados da Cepal (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe) de 2014 indicam que somos o único país que investe mais de seis vezes o orçamento dos mais jovens para os mais velhos. O restante do mundo destina o dobro.

Certamente essa alocação de benefícios públicos bem maior para os mais velhos contribui para o retrato da pobreza de hoje. Segundo a Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) de 2022, entre as pessoas de 0 a 15 anos, 35% estão entre as mais pobres. Entre as pessoas com mais de 60 anos, 5% apenas estão entre as mais pobres. A pobreza está concentrada na juventude brasileira.

Um dos muitos argumentos que tenta justificar essa desigualdade acentuada de distribuição de recursos públicos é que, dentro das famílias, os mais velhos ajudam a cuidar das nossas crianças. Certamente a transferência de recursos não é a única maneira de cuidado entre gerações. A convivência, a participação nas atividades e a transferência de cultura são importantes formas de cuidado.

Mas façamos uma análise apenas do ponto de vista de recursos, sem incluir outras formas de cuidado. Só 7% das crianças de 0 a 9 vivem em domicílio com pelo menos um idoso, de acordo com a Pnad do ano passado. Considerando esses lares, os idosos compartilham no máximo 11% de sua renda com entes familiares e 1% com as crianças.

Portanto, olhando apenas para esse mecanismo, se o governo brasileiro transferir R$ 500 para os idosos e R$ 100 para as crianças, por exemplo, os idosos transferirão R$ 5 dos seus R$ 500 para as crianças e elas terão R$ 105 no total.

O artigo 227 da nossa Constituição deixa claro o dever do Estado para com o cuidado prioritário com crianças, adolescentes e jovens. Por qual motivo o Estado brasileiro não distribui o dobro de recursos para os mais velhos, como faz o restante do mundo? Por que distribui seis vezes mais? Há algum componente que nos diferencie acentuadamente dos outros países, incluindo os da América Latina?

Independentemente da resposta, a decisão de seis para um tem consequências. Sem contabilizar a transferência vinda dos idosos, 35,4% das crianças de 0 a 9 estão abaixo da linha da pobreza. Incluindo essa transferência, 33,7% estão abaixo da linha da pobreza. A diferença é muito pequena frente à gravidade de termos a pobreza concentrada em nossas crianças.

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