Laura Mattos

Jornalista e mestre pela USP, é autora de 'Herói Mutilado – Roque Santeiro e os Bastidores da Censura à TV na Ditadura'.

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Está aberta a vaga para George Clooney da educação brasileira

Ator fará curso de cinema e TV para adolescentes de comunidades de baixa renda nos EUA

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A maior parte das escolas brasileiras implementará no próximo ano o novo ensino médio, com currículos flexíveis nos quais os alunos escolhem disciplinas com as quais mais se identificam. E o astro de Hollywood George Clooney tem tudo a ver com isso.

Nesta semana, o ator anunciou o lançamento de um curso de cinema e televisão em parceria com uma escola pública de Los Angeles. O projeto se chama Roybal School of Film and Television Production e atenderá adolescentes de comunidades de baixa renda, em especial latinos e negros. De acordo com Clooney, o plano é expandir o curso para outras escolas, envolvendo diferentes celebridades da indústria cinematográfica. O objetivo é contribuir para uma melhor formação no ensino médio, preparando jovens para atuar no mercado do cinema e da TV, o que, futuramente, deverá refletir em uma maior diversidade dentre os profissionais dessa área.

Nos últimos anos, Hollywood tem sido duramente criticada por ser pouco inclusiva, tanto em relação aos elencos quanto a quem trabalha por trás das telas. Ativista dos direitos humanos, Clooney terá ao seu lado, na liderança do projeto, entre outros, a atriz Kerry Washington, o ator e produtor Don Cheadle, ambos negros, e a atriz e produtora Eva Longoria, de origem mexicana. Além de participar da elaboração dos currículos, os astros irão buscar financiamento e doação de equipamentos, estágios e voluntários para as aulas. Já contam com a adesão de executivos e agentes de artistas.

Uma outra iniciativa semelhante havia sido anunciada na semana passada. O rapper e empresário Dr. Dre e o produtor musical Jimmy Iovine investirão em uma nova escola pública, também em Los Angeles, para lançar o que prometem ser “o ensino médio mais legal da América”. De origem simples, ambos ficaram bilionários no mercado da música. Contam que detestavam a escola e que vão fazer de tudo –e gastar o que for preciso– para que essa que irão fundar possa motivar os jovens, transformando-os em cidadãos com pensamento crítico, inovadores e empreendedores. Não será uma escola de música, disseram, mas um lugar onde a garotada possa aprender algo que realmente lhe interesse e de onde saia para começar seu próprio negócio ou para trabalhar em empresas como a Apple ou a Marvel. Uma escola para crianças e jovens que têm curiosidade e talento mas nunca tiveram oportunidades para mostrar quem são. Um lugar que consiga deixar os alunos empolgados e com vontade de aprender.

Projetos como esses de Hollywood partem da ideia de que a escola deve captar as habilidades individuais dos estudantes e desenvolvê-las, conectando o conteúdo pedagógico à realidade de cada um, por meio de projetos. Aprender sobre a luz em física fica muito mais fácil –e divertido— com uma câmera para entender os conceitos teóricos enquanto se produz um filme. Que pode ser sobre racismo, por exemplo.

Conceitualmente, essa é a proposta do novo ensino médio brasileiro. Parte-se do pressuposto de que, além de um currículo com o básico obrigatório das disciplinas, é importante concentrar esforços em dar autonomia ao estudante para que escolha o que mais lhe interessa estudar. São oferecidos itinerários formativos (os principais são linguagens, matemática, ciências humanas e ciências da natureza), dentre os quais há as disciplinas eletivas. E as possibilidades são inúmeras. No itinerário de matemática, por exemplo, além de obviamente se investir em aulas de matemática, é possível estudar robótica, programação, lógica, astronomia etc. O de linguagens, fora o enfoque em língua portuguesa, pode contemplar aulas de teatro, cinema e outras.

A implementação do novo ensino médio teve início em 2021, mas tem sido atropelada pela pandemia, mediante o fechamento das escolas, e pode não ser totalmente concretizada em 2022. A mudança ocorre em meio aos prejuízos educacionais e à vulnerabilidade emocional de alunos e professores impostos por esse período. Pode soar complicado alterar currículos agora, com tantas atividades ainda à distância, mas é justamente em razão desse cenário caótico que a mudança se torna urgente.

Diante do risco de evasão escolar triplicado pela pandemia, com jovens desmotivados e tendo cada vez mais que trabalhar para ajudar no sustento da família, é essencial tornar a escola um lugar atraente e capaz de ajudar os estudantes a lidar com os desafios da vida real, inclusive reforçando a oferta de ensino profissionalizante.

Foi o que me disse, em entrevista publicada na Folha, William Kamkwamba, que inspirou o filme “O Menino que Descobriu o Vento”. Com 14 anos, tendo sido obrigado a abandonar a escola por não poder pagar a mensalidade, ele estudou sozinho na biblioteca do seu vilarejo, no Maláui, e construiu um moinho de vento que bombeou água para a plantação, evitando que a família e vizinhos morressem de fome na seca. Ele hoje tem um centro educacional para ajudar jovens a buscar melhores técnicas para a agricultura e defende que a escola se conecte à realidade do aluno.

E aí voltamos aos projetos de George Clooney e de Dr. Dre como inspiração para o Brasil. Nossas escolas têm de melhorar a qualidade de ensino e se tornar atraentes para crianças e jovens, ou não sairemos do abismo. O exemplo hollywoodiano também nos leva a pensar que, em vez de deixar essa missão só nas mãos do poder público, é preciso buscar apoios de todas as ordens, de empresas, profissionais liberais, celebridades do esporte, da música, da televisão, do cinema, da internet. Está aberta a vaga para George Clooney da educação brasileira. Quem se candidata?

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